Jesus disse: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós”.
A imagem que Ele criou para dizer isto é a de uma videira com seus ramos. Ele é a Videira Verdadeira, nós somos os ramos.
É Dele que vem nossa vida.
A questão é: Se estou Nele, assim como um ramos está numa videira, como posso não permanecer Nele?
Isto só poderia acontecer na mesma medida em que um ramo-auto-consciente pudesse saltar fora da Videira, seria a resposta.
A questão, todavia, se renova: Como pode um ramo, mesmo que tivesse auto-consciência, desejar saltar para fora da Videira?
Pode tal coisa acontecer?
Poderia… se o tal ramo sofresse de Síndrome de Auto Existência; que uma doença muito freqüente entre religiosos e moralistas, por incrível que pareça.
Somente um ramo muito cheio de si mesmo—sofrendo de uma Síndrome de Lúcifer Vegetal—, é que tentaria tal coisa maldita.
Entre os humanos-ramos tal rebelião significa uma rejeição do amor de Deus, e do amor; e de sua versão mais humana: a misericórdia.
Isto porque na mesma ocasião em que Jesus falou da Videira e dos ramos, Ele também disse que “permanecer Nele” equivale a guardar os Seus mandamentos.
E, como disse João, os mandamentos Dele têm a sua síntese numa só coisa: amor…porque…Deus é amor.
Desse modo, permaneço Nele, mesmo sendo um ramo que carece de podas e tratos; sim, fico plantado onde pertenço: no amor e na Graça de Deus.
Esse que fica aí, na Videira, se alimenta de amor. E dá frutos da mesma natureza; sendo que o mais verificável de todos eles é a misericórdia; visto que o exercício da justiça cai num campo onde um erro pode ser fatal; pois a justiça pode se equivocar, e matar…
Os equívocos da misericórdia, todavia, são todos para a vida.
Por isto mesmo a misericórdia triunfa sobre o juízo, porque Deus não é deus da morte, mas da Vida.
Assim como Perdão É perdão; e Misericórdia É misericórdia; do mesmo modo o amor de Deus tem que produzir amor; mesmo que seja o amor do publicano que chora na devoção dos culpados-esperançosos e verdadeiros.
É assim que se fica sabendo que para não permanecer na Videira o indivíduo-ramo tem que dizer: “Eu posso cuidar de mim mesmo; já sei como é a vida; já estou maduro; já provei para mim mesmo que não caio; obrigado Senhor por teres me feito justo”.
Nesse dia-momento-estado-de-ser o ramo é lançado por-si-mesmo-fora, e queimará no fogo de sua própria vaidade.
Então, nesse dia, ele verá que sua vara sacerdotal não recebe a seiva invisível que ressuscitou a vara sacerdotal de Arão. “Sem mim nada podeis fazer”, é o veredicto.
Porém, um crente, diz: “Eu oro e peço que Ele me abençoe em tudo. Por isto estou na Videira”.
A pergunta, no entanto, é outra: “O que tu fazes aí, sozinho, com tuas orações, cheias de justiça própria e auto-suficiência? Pois, enquanto pedes a benção da prosperidade, negas a benção mais simples, que é a misericórdia!” Cuidado!
O perigo não mora fora, mas onde sempre morou: dentro…onde os juízos, e seus ódios fazem seus ninhos de peçonha e morte.
Assim, como não desejo, e como sei que sem a seiva desse amor eu não sou, eu nada faço, apenas permaneço; visto que sei que não há vida fora desta Videira.
Permaneço. Ele Permanece em mim. Nele eu sou.
Permanecer na Videira? Sim, eu só sou Nela!
E os mandamentos? Você os cumpre?—me pergunto. Não! Não! Não! eu não consigo cumpri-los!
E se a síntese deles é amor, então, aí mesmo é que não posso me oferecer como fiel.
E o que você faz?—seria ridículo dizer que é isto que me pergunto, pois, para escrever este texto eu tive, há muito tempo no passado, que decidir que minha existência era na Videira, e que eu não a deixaria nem morto, apesar de me achar um “enxerto” da última hora.
Assim, eu fico: amando muito mais o amor Dele por mim do que amando-O, como seria o mandamento.
Todavia, eu sei, sinto, creio, e vejo, que quanto mais eu digo que não sou, mais me torno; e quanto mais tenho consciência de minha insuficiência, mais seiva corre em mim.
Então, entendo que permanecer Nele é saber que para mim só há vida Nele.
Assim… fico… porque permaneço no mandamento; pois se não os cumpro a todos, e muito menos à síntese deles, que o amor; todavia, sei que é assim que um ramo-pecador pode permanecer Nele.
Permaneço em Seu amor, confessando o meu desamor; e busco misericórdia revelando misericórdia ao meu semelhante; pois amor é um passo para a santidade que eu não tenho como dar de moto próprio; porém, miseri-cór-dia, é o lugar onde eu vivo; visto que miseri-cór-dia é um “coração” (cór) que entende a “miséria” à partir da sua própria; e esta devoção eu posso praticar; não sei nem como, mas, posso…
Posso?
Não! Eu não posso.
É por isto que eu Permaneço.
Caio