—– Original Message —–
From: POSSESSO DE PERSONAGENS! – Heath Ledger
Sent: Monday, February 11, 2008 11:35
Subject: Lavador de Almas e Coringa.
Caio,
Quando você comentou o filme “O Lavador de Almas” (Link:
Lembrei disso hoje ao ler sobre a morte (por abuso de medicamentos, ao que parece) de um ator (Heath Ledger), que interpreta a personagem “Coringa” no novo filme do “Batman” (a ser lançado): vi algo perturbador e que, penso, confirma o seu raciocínio.
Apesar de o rapaz, infelizmente, ser dependente de drogas e apresentar uma depressão (ambos fragilizando sua consciência), parece ter contribuído para o seu desespero pessoal total o modo de ser do seu último papel e o inter-relacionamento entre personagem e ator.
O ator teria “criado” um “Coringa” altamente psicótico, cruel, violento e e mórbido (e não mais meio-brincalhão [como Jack Nicholson fizera em filme anterior]): um vilão às últimas conseqüências (inclusive na aparência, modo de pensar, andar, falar e rir).
Nos bastidores, comentava-se que estava fora de si, louco para superar o coringa anterior, estando outros atores até atordoados com um “diário do coringa” que ele resolver escrever para melhor compor o personagem, listando tudo de ruim que seria possível acontecer e que o Coringa acharia engraçado (exemplo no diário:o vírus da AIDS).
Ledger afirma que o diretor do filme, Christopher Nolan, “deu rédea solta” para sua composição do personagem, que tem “pouca ou nenhuma consciência dos seus atos”, é um “sociopata absoluto” e um “palhaço assassino de sangue frio”.
“Definitivamente, é algo que me dava medo. Mas qualquer coisa que me dá pavor ao mesmo tempo me excita. Tive que ser valente e acreditar que poderia apresentar algo novo, diferente”, disse o ator.
Nas primeiras divulgações do filme, fica claro que o ator está absurdamente convincente no papel de um psicopata que atemoriza só pelo olhar; assassino de massas.
O próprio ator, respondendo ao NY Times, dissera que as filmagens do novo “Batman” o deixaram física e mentalmente exausto e que precisou tomar pílulas para dormir, já que não parava de pensar, dormindo apenas umas duas horas por noite.
Jack Nicholson, entrevistado sobre a morte, disse: – “Eu avisei para ele.” (o que é quase uma confissão de que, estando com a consciência frágil como estava, o ator poderia ficar extremamente predisposto a “incorporar” os aspectos destrutivos da personagem [que é, porque sem limites quaisquer, verdadeiro salvo-conduto para a loucura…]).
Bjo.
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Resposta:
Amado amigo Habib: Graça e Paz!
O trabalho de interpretar pode surtar uma pessoa que esteja fragilizada na consciência ou “mexida” por alteradores de consciência.
Não é nem mesmo preciso interpretar. Jung, por exemplo, ao romper com Freud, passou uns tempos sem muito discernimento entre o real e as erupções de seu inconsciente.
Ora, se apenas sendo impulsionado pelos acontecimentos da vida, uma pessoa pode ficar paranóica, o que não dizer da abertura para a possessão que se associe à incorporação de um personagem ao qual alguém de dedique com a intenção de encarná-lo? Sim! Chegando mesmo ao ponto de se tornar o personagem; alegrando-se com todas as suas loucuras, as quais, ganham permissão de manifestação em razão do álibi que a “interpretação artística” empresta ao artista?
As pessoas brincam muito com a mente.
Na realidade, nem mesmo é preciso que alguém faça um mergulho abismal num personagem a fim de incorporar as características do ente ficcional criado, nos elementos novos que passam a habitar a alma do interprete, até ao ponto em que o interprete fica dependente do personagem, e, por fim, se rende a ele. Ora, essa dissolvência da identidade, associada à depressão e overdose química, é a receita mais simples e certa para excessos suicidas.
O próprio Jack Nicholson andou muito tempo “possesso de personagens loucos” que interpretou; ao ponto de ir se tornando como eles. Há 10 anos atrás Jack Nicholson estava muito mal. Portanto, o “eu avisei a ele” dito por Jack Nicholson ao pobre rapaz vitima dessa tragédia, tinha na experiência de Jack sua base de consciência de perigo.
Sim! É isto mesmo! A alma não sabe brincar de fragmentação de identidade de modo obcecado como aconteceu com Heath Ledger sem perder-se no processo.
Ora, a tentação é continuar a falar do tema, pois, de fato, ele abre muitas portas e sugere um monte de reflexões sobre a natureza da alma e o que a ela pode acontecer quando se faz suspensão de identidade pela via de uma interpretação obcecada.
Um beijo para você!
Nele, em Quem a gente deve buscar o centro de nós mesmos,
Caio
11/02/08
Lago Norte
Brasília
DF