QUE DEPRESSÃO INSUPORTÁVEL!

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From: QUE DEPRESSÃO INSUPORTÁVEL!
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Sent: Wednesday, October 27, 2004 12:15 AM
Subject: Sobre minha depressão…




Pr. Caio, Conforme sua sugestão, tentei entrar em contato com um cristão que é Psiquiatra, mas ele está viajando, dando palestras. Creio que o senhor também esteja. Mas vou arriscar outra vez. Tive uma crise horrível na semana passada. Voltei ao meu psiquiatra. Ele aumentou a dose do meu antidepressivo. Eu melhorei. Estava me sentindo “dopada”, mas melhor.

 

Aí meu filho adoeceu. E Deus me deu forças para cuidar dele. Mas só tenho forças para isso e para mais nada. Não sinto animo para fazer minhas aulas, ou estudar, ou ler… Me alimento porque tenho que tomar os remédios, pois se não tomar o desastre será maior.

 

Desculpe estar desabafando assim… É que o pastor da igreja que freqüento foi trocado, e eu não tenho o mínimo de idéia do que passa na cabeça do que chegou sobre isso.

 

Li quase tudo em seu site onde havia a citação da palavra depressão. Infelizmente não encontrei nada que falasse dela como um foco central, como algo que faz parte da vida de alguém de uma forma crônica como a minha.Bom, pelo que li, sei que o senhor teve momentos em sua vida em que desejou a morte. E é por isso que sei que estou pedindo a pessoa certa que me ajude.

 

Sou uma professora universitária, bióloga. Conheço muito, cientificamente, sobre o assunto. E é por isso que me trato; por isso e pela minha família; a maioria das vezes não é por mim. Mas só essa explicação através da “sabedoria humana” não tem me satisfeito, sabe? Nos meus piores momentos de dor, pensar na química do meu cérebro não tem me bastado.

 

Faço psicoterapia, e ultimamente tenho me sentido cansada das minhas altas e baixas. Minha psicóloga é cristã, e tem me pedido paciência, e me ajudado a administrar de forma mais saudável a minha vida.Sei o que é uma vida atarefada, pois tenho uma. Às vezes tão cheia que não acho que eu vá dar conta. E é por saber que o senhor tem uma vida assim também que gostaria que me indicasse um livro cristão que pudesse me ajudar sobre o assunto. Peço isso, pois sei que deve existir algo. Mas não compraria “às cegas”, sem ter uma boa indicação do escritor.

 

Desta forma, o tempo que o Senhor gastaria comigo, poderia gastar com alguém mais necessitado de aconselhamento — digo isso sem autocomiseração. É claro que me sentiria honrada em poder ter seus aconselhamentos, mas infelizmente, não seriam na freqüência com que eu gostaria ou necessitaria. E sei também que o senhor gostaria de poder ajudar mais.

 

Mas, se um dia o senhor resolver escrever um livro sobre o assunto, meu testemunho está ao seu dispor, pois ficaria imensamente feliz em poder ajudar alguém que passa pelo que passo.

 

Gostaria de lhe agradecer por todas as bênçãos que vieram através de sua vida à minha. E digo isso porque não foram poucas as vezes em que Deus o usou para me abençoar. Que Deus lhe retorne em bênçãos, graça, sabedoria e discernimento tudo que o senhor tem feito por mim e milhares de cristãos em nosso país.

 

Um grande abraço, e que a paz do Senhor lhe encha o coração todos os dias!



Resposta:


Minha amada amiga: Graça e Paz!

O maior problema com a depressão, além do horrível estado que ela impõe, é o julgamento moral que fazemos dela. Isso porque por mais que a pessoa saiba quais são as causas de sua depressão —seja ela química, traumática, sistêmica, neurológica, ou até genética—, ela trata o seu próprio sentir “depressivo” como algo moralmente ruim; diferentemente da alegria, que não recebe julgamento moral algum de nossa parte.

Depressão é horrível, e qualquer comparação com o seu sentir é bobagem. No entanto, cometerei tal bobagem assim mesmo, apenas por uma questão ilustrativa.

Quem vive em permanente estado de depressão tem que, além de se medicar, tratar a depressão com a atitude de um diabético, ou de um hemofílico, que pode sentir todos os desconfortos com o problema, mas não o trata de modo moral como desconforto.

Por que será que a depressão é sentida de modo moral? Sim, com culpa?

Nossa cultura tem raízes hedônicas que foram batizadas pela culpa cristã relacionada à tristeza da alma. Isto porque as nossas raízes hedônicas nos sugerem o prazer como estado a ser buscado como sucesso para o ser. E a moral cristã tirou a força do hedonismo do prazer e a colocou na alegria santa; porém manteve seu anátema sobre a tristeza.


Assim, carrega-se uma certa culpa pela alegria que se relaciona ao prazer do corpo (hedonismo), e, muita culpa em relação a qualquer forma de tristeza que não seja fruto da dor da morte de alguém amado.


Ou seja: as dores racionais e óbvias, como aquela que é marcada pela morte, são aceitáveis e dignas; porém a dor-tristeza sem “causa traumática”, sendo por sua natureza abstrata, é sempre taxada, ainda que sem palavras (muitas vezes com palavras, especialmente na igreja), como algo mau, e que pode ir da acusação de falta de fé, passando pela insinuação de que “falta Deus na vida”, podendo chegar ao extremo da pessoa ser objeto da acusação de estar “oprimida” pelo diabo.


Ora, conquanto a depressão seja conhecida em todas as culturas da terra, é no ocidente-cristão que ele cresceu a ponto de se transformar em epidemia de natureza psicológica ou psiquiátrica.


A questão é que a proposta “cristã” (digo “cristã” porque falo do fenômeno humano e suas construções de pensamento) chega carregada da promessa de que a “vida com Cristo” é uma existência acima do bem e do mal; o que tanto não é verdade prática quanto também é uma perversão do ensino existencial do Evangelho.


Jesus é Aquele que se alegrava e exultava no espírito, ao mesmo tempo em que é Varão de Dores, e que sabe o que é padecer.


É Ele quem diz: “A minha alma está profundamente triste, até a morte; ficai comigo, e vigiai… Vós sois os que tendes permanecido comigo em minhas tentações…”


Ele disse que no mundo se teria aflição, e ensinou que o bem-aventurado aprende a ser feliz enquanto sofre e chora!


Um homem como o profeta Jeremias seria classificado imediatamente como maníaco-depressivo se vivesse entre nós. E eu não digo que não fosse; digo apenas que não interessa; e pela simples razão de que Deus lida com os estados abismais da alma tanto quanto lida e se serve dos estados de elevação feliz.


Nunca tive uma depressão sem causa. A primeira forte depressão que eu tive aconteceu por eu ter violado uma lei interior, só minha, de natureza totalmente pessoal e existencial, aceitando o cargo político de presidente da AEVB.


Inexplicavelmente minha alma se revoltou, e me abismou durante algumas semanas em uma angústia tão difusa que demorou para que eu identificasse a causa.


As outras depressões foram todas fruto de episódios tão evidentes e esmagadores que a depressão já chegou auto-explicada.


Agora mesmo, nesses últimos sete meses, desde que meu filho, Lukas, partiu de nós, vivo sentindo uma depressão doce, controlada pela certeza da eternidade, e apaziguada e aliviada pela companhia dos familiares, amigos, e pelo trabalho. Há dias, no entanto, que me ponho a escrever, atender pessoas, pregar, e trabalhar em todas as demais coisas, porém carregando aquele peso de dor quieta mas que deprime tudo, inclusive o organismo; daí eu ter tido tantas pequenas enfermidades desde que ele partiu.


Lidar com a questão de frente é o que mais ajuda. E tratar o tema como se fosse “dor de dente” ajuda mais ainda.


É dor. Dor como a dor. E é normal que seja assim. Afinal, quem perde alguém tão loucamente amado e não sente dores?


Minha dor, no entanto, é acolhida com tranqüilidade, e choro meus choros com paz, e falo do assunto como creio que ele tem que ser falado: com naturalidade.


As causas da depressão são muitas, e vão desde predisposições genéticas, passam pela constituição psicológica, caminham por dentro do mundo dos traumas e perdas, e podem ser, também, de natureza química, com disfunções na engenharia cerebral ou neurológica. Há também casos de depressão provocada pelo uso excessivo de certas drogas ou álcool.


Alguém pergunta: “E não há depressão de natureza espiritual?” Ora, é claro que também há. No entanto, tais depressões são de natureza diferente, podendo ser apenas o resultado da culpa ou, algumas vezes, de opressão espiritual direta. No entanto, tais casos são raros, sendo, na maioria das vezes, fruto do envolvimento da pessoa com invocações de natureza maligna ou carregada de escuridade espiritual e psicológica.


Ora, mesmo sabendo de todas essas variáveis, se eu tivesse que dar um conselho geral a todos os deprimidos, independentemente da causa da depressão, eu diria o seguinte:


1. Faça de qualquer depressão um bem, simplesmente não gerando associação entre o estado de depressão a qualquer forma de culpa moral. E, caso tenha havido culpa no nascedouro do estado, receba o perdão, creia, e desmoralize a depressão. Ou seja: se ela permanecer, já não será como tristeza para a morte, que é fruto da culpa; mas sim como tristeza para a vida, e que fará melhor e mais doce o coração.


2. Não se fixe na depressão. Deixe que ela se vire sozinha. Dar atenção à depressão é como fazer carinho na tristeza como vício. Portanto, não a negue, mas não a sente no trono de seu ser como senhora de seus sentimentos.


3. Busque a natureza, o ar livre, a praia, a piscina, o sol, o pé no chão, a grama, a terra, as fontes de águas, as atividades físicas, o toque, o amor, o sexo, a companhia de amigos, os papos diferentes, e, sobretudo, descanse no amor de Deus. Sei que uma pessoa deprimida quer se prender dentro do quarto, fechar a janela e se enterrar na escuridão, noite e dia. No entanto, pela minha experiência— tanto em mim mesmo como observando a praticidade deste conselho em outros—, verifico que a natureza e a volta aos elementos básicos da criação têm um poder enorme na cura e restauração das energias psíquicas e vitais, fazendo com que pelo menos 50% do problema comece a se esvair.


4. Não fique com pena de você. Depressão ama autopiedade. Olhe para a depressão como um estado criativo, e não como algo paralisante. Sempre tratei a depressão com criatividade. Quando me deprimi em razão da violação da “lei interior” (conforme falei acima), escrevi o livro “Oração para Viver e Morrer”. Quando os céus caíram sobre minha cabeça (98-99), escrevi “Nephilim”, e, logo depois, “Tábuas de Eva”. Quando mudei para Copacabana em 2001 e me senti deprimido por muitas coisas (ainda reflexo do desabamento celestial de 98-99), escrevi “O Enigma da Graça”. E quando meu filho partiu, mergulhei de cabeça aqui no site e escrevi … escrevi… escrevi…


5. Leia os salmos. Todos eles. E observe como alegria e tristeza têm o mesmo poder: gerar orações. A alegria produz ações de graça, e a depressão produz a expansão da comunhão com Deus, produzindo orações de verdade visceral. Os salmos são esses relatos existenciais; e neles a gente vê que tristeza e alegria são a mesma coisa no que diz respeito a poderem conviver com o melhor da espiritualidade humana.


6. Tome os remédios próprios sem culpa e sem julgamento moral e espiritual acerca do estado para o qual eles são receitados. Nosso problema é que a depressão não tem descanso numa alma cristã, especialmente porque a pessoa chega na igreja e ouve as promessas de que crente não fica deprimido, e, assim, mergulha na depressão da depressão. Desse modo, depressão de crente é sempre, no mínimo, depressão ao quadrado: a coisa em si e a culpa de se estar sentindo a coisa, o que gera uma segunda depressão e fixa a primeira. No entanto, a depressão do crente tem também a possibilidade de ser elevada à raiz cúbica: a depressão, a culpa da depressão, e o diabo da depressão. Essa equação é a pior de todas, e é muito comum nos crentes, neuróticos que são em relação a tudo, especialmente no que diz respeito a toda sorte de tristeza.


Quanto ao mais, caso você queira conversar sistematicamente comigo, on-line, torne-se membro do “clube do assinante” e marque uma hora para a gente conversar no link “No Divã com Caio”, que, apesar da virtualidade, pode nos propiciar boas conversas, e, com a Graça de Deus, bons resultados.


Aprender a lidar com a depressão é um exercício de sabedoria espiritual, especialmente para quem vive massacrado pelos “demônios” da urbanidade e da chamada vida pós-moderna.


Use a depressão. Não deixe que ela use você. E não fique se perguntando, quando você estiver se sentindo surpreendentemente bem: “Ei, onde está a depressão?”


Você deve saber, no entanto, que quem tem depressão de natureza química ou neurológica, deverá tomar medicação com o mesmo carinho e simplicidade prática com a qual um diabético toma insulina.


E não fique pedindo cura a Deus para a depressão, pois isso deprime muito mais. Se Deus curar você disso, agradeça; mas se não houver nenhuma cura milagrosa, não se deprima, e não se julgue moralmente por isto; tipo: “Vai ver que tem algo errado em mim”.


Entregue a sua depressão ao Senhor, confie Nele, e o mais Ele fará!


Sugiro-lhe também que procure a medicina ortomolecular e que também faça exames de mineralogia. Muitas vezes quando se detecta quais são os elementos químicos que estão faltando no cérebro, e se faz suplementação deles por via médica, as depressões vão desaparecendo à medida que a química orgânica vai se reequilibrando. Tenho visto pessoas que sofriam de depressão crônica por décadas ficarem completamente boas de seus desconfortos apenas fazendo reposição de elementos químicos que faltavam no corpo.


Espero ter sido útil de algum modo. E se desejar, entre no “Divã com Caio” pra gente poder conversar mais.


Receba meu carinho!


Nele, que confessou Sua tristeza no dia de Sua dor,


Caio