QUE DOCE AMIZADE: RESPOSTA À ALGUMAS GOSTOSAS PROVOCAÇÕES (I

—–Original Message—– From: Eurípedes da Conceição Sent: quinta-feira, 27 de maio de 2004 19:16 To: [email protected] Subject: RESPOSTA À ALGUMAS GOSTOSAS PROVOCAÇÕES Prezado amigo Caio: “Davi-Jônatas” a quem minha alma se afeiçoou! O bom em ouvir ou “ler você” é a consciência de desafio que você desperta. Conversar com você é algo muito instigante e fora do senso comum. Tenho a impressão que o “eixo existencial” forjado na constituição do seu espírito é semelhante a um imã que atrai ou repele os “objetos” à sua volta. Em suma, onde quer que vá, você carrega involuntariamente os “extremos de convergência e divergência” em uma perfeita relação de simultaneidade, o que faz com que as pessoas te amem ou te odeiem. Acertei? É bem verdade que você não busca “amigos mentais”, ou como você muito bem definiu, “filhos do consenso”. Face a toda experiência que você já teve no universo relacional, é perfeitamente aceitável e compreensível que você busque vínculos espirituais. Entretanto, é bom lembrar que tais vínculos não se processam apenas nos níveis da sentimentalidade (que pode ser enganosa), mas também na harmonia das idéias (que também pode ser enganosa). Caso contrário, como “andarão dois juntos se não estiverem de acordo?”. E, principalmente se for considerado o fato de que “o coração é enganoso e desesperadamente perverso” e, portanto, difícil de ser conhecido por um exercício de “sensibilidade ao espírito” somente? O fato é que somos seres holísticos que perderam sua integralidade inerente. Nosso “Emaús existencial” é o reencontro com a plenitude de nossa “natureza espalhada” no Éden. E essa natureza reivindica o equilíbrio perfeito na relação com o Criador, que possibilita uma relação de Amor Incondicional com machos e fêmeas, com livres e escravos, com sãos e doentes, com intelectuais e “intelectualóides”, com afetos e desafetos, com Simão Pedro e Judas Iscariotes. No que tange às “amizades institucionalizadas” que se processam mediante “cumplicidades geradas por interesse ou proteção”, nesse sentido o paganismo é inerente, inalienável, e, quiçá, “sagrado-profano”. Um olhar para a natureza irracional mostra que os instintos de busca diária à “água do poço de Jacó” persistem! Os animais, diferentes de nós apenas por sua “ausência” de raciocínio não resistem a compulsão biológica de estarem juntos. Os elefantes, apesar de sua força, têm suas manadas, os lobos, suas alcatéias, os porcos vivem em vara. Apesar de sua discutível irracionalidade, são todos “comunitários” por natureza e, no entanto, se digladiam quando defendem sua porção de alimento, fêmea, ou filhotes. A diferença é que o animal “é corpo”, mas, nós “temos corpo”, apenas porque tentamos o tempo todo negar nossa animalidade, substituindo-a por um “travesti” de raciocínio, ou… de espírito(?). O que é mais belo nisso tudo é que os animais apesar de serem “irracionais”, nunca deixam de aprender lições com o Criador. E ainda assim a gente leva vantagem porque Ele “nos ensina mais do que aos animais da terra e nos faz mais sábios do que as aves dos céus”. E isto, meu irmão, nos confere uma responsabilidade imensa! Pois, quando nossos sentimentos ultrapassam os instintos e se convertem em “juízos”, nossa arrogância deixa de ser suportada por Ele e nossas orações se transformam em gritos vazios. Nesse caso, a Graça se torna o Único Agente capaz de conciliar o “ser intra-beligerante” que é cada um de nós, pois “o bem que eu quero fazer, não faço, e o mal está sempre diante de mim”. E o pior é que as grandes batalhas que eu travo não são contra ninguém, mas contra mim mesmo. E quando não suporto mais esta guerra insana contra mim mesmo, não resisto à tentação de “tomar as asas da alvorada” e me esconder no “deserto”, mesmo que este “deserto” esteja fora do alcance dos meus olhos, ocultado nas “geografias abissais” do meu coração. O bom é que nós já passamos pelo estágio da afirmação-questão e chegamos ao estágio da afirmação-afirmação, pois “não temos dúvidas de que espírito somos”. Você tem? O “misterion” da Graça consiste no poder que Ela tem de unir num mesmo espírito seres tão “alienígenas” como você e eu. Um beijo na alma, amigo! Eurípedes ___________________________________________________________ Resposta: Amigo amado Eurípedes: Somos o Seu povo e rebanho de Seu pastoreio! Sobre a sua percepção acerca de minha “presença” e no que respeita às reações que causa, eu lhe diria o seguinte: sempre foi assim, desde a infância. Todavia, houve duas décadas no meio evangélico em que tais “pólos” se mostravam um só, com pouquíssimas exceções, e eram sempre de natureza subjetiva, e muito bem oculta, visto que em minha “presença” o que sempre havia era uma suposta mono-polaridade. Assim, por décadas, eu era unanimidade. Até que veio a AEVB e os conflitos com a IURD. Ali começaram a se manifestar as bi-polaridades. Eram, todavia, poucos os que a expressavam, e a maioria deles era paga para expressar o desacordo. Foi apenas depois de 1998 que os partidos se mostraram. Hoje, eu vivo distraído, sem nenhuma preocupação com quaisquer que sejam as interpretações. Apenas sou em Cristo aquilo que em mim mesmo tento ser. Sou o que não sou e não sou o que sou—foi a receita de Sartre. E, por incrível que pareça, mesmo vindo dele, não deixa de ser uma realidade da Palavra, conforme Jesus, Paulo, e boa parte das afirmações da Escritura sobre a realidade paradoxal e até contraditória desse nosso existir. Sobre a comunhão no espírito—antes de ser acerca ou em torno de qualquer outra coisa—quero dizer COMO vejo e a pratico. De fato, comunhão não é algo para ser visto, nem mesmo entendido. Trata-se de uma conexão que se dá para além de qualquer linha divisória, visto que o que é, não se impressiona com aparências, e nem crê que conteúdos confessados sejam maior que o ser que os confessa, visto que o confessor pode estar enganado, embora seja verdadeiro em seu engano. O que teria feito Jesus gostar tanto de quem não o entendia, mas que assim mesmo o seguia? É que para Jesus a Razão é um hardwear muito básico e mecânico. A razão é uma máquina de calcular, que tem muito boa utilidade para as coisas que se vêem, mas que é inapta para discernir as coisas que se não vêem. Desde menino que vi meu pai ser amigo de cultos e incultos, de filósofos e de caboclos. Ele passava o dia em profunda comunhão de alma com os caboclos, enquanto sozinho se divertia lendo os clássicos da literatura universal; e isto com dezoito anos de idade, e às do Rio Purus, onde ficava o Seringal da nossa família. O amigo não precisa saber; ele discerne. Daí as verdadeira amizades acontecerem como momentum, como algo que é, e que apenas cresce em-si, mas não pode e nem deve racionalizar o fato que a constitui como vínculo, visto que este, o vínculo, na maior parte das vezes—quando é verdadeiro, e não fruto de identificações contingenciais—acontece como mistério. Você citou Davi e Jonatas. Pois bem, o texto hebraico diz justamente isto; diz que a alma de Jonatas de “aglutinou” à de Davi, como as duas bandas de uma ferida que ao se encontrarem formam um corpo só…e sem explicações. Aliás, no caso deles, a Razão deveria ter proibido o amor em sua instalação. É interessante que no Evangelho, para Jesus, o paganismo é uma realidade existencial apenas. Jesus fala dos “gentios” como aqueles que amam os que os amam, saúdam os que os saúdam, e que são próximos apenas dos próximos que são “iguais”. Além disso, para Jesus, os gentios é que andam ansiosos pelo dia de amanhã…conforme Mateus 6. A maior prova da existencialidade do conceito de paganismo em Jesus é a escolha que Ele faz dos Samaritanos (a mulher de samaria; o bom samaritano; e o samaritano grato, o único que voltou para agradecer a cura) como exemplo de não-paganismo; o mesmo Ele não podia dizer dos seus irmãos judeus, que tinham a doutrina impecável, mas pecavam por não discerni-la como amor, misericórdia, justiça e graça. Tenho amigos em todos os pólos da vida, e tenho prazer neles, mesmo quando a doutrina deles não é certa, mas a práxis deles é verdadeira. Nesse sentido, Tiago muito me ajuda, visto que me possibilita afirmar-pedindo: Mostra-me a tua fé sem obras, e eu, com minhas obras, te mostrarei a minha fé? Ou ainda: Mostra-me a tua amizade, mesmo sem uma fé aceitável, pois pela tua amizade estás me mostrando a tua verdadeira fé no amor. Fé que não produz amor é apenas doutrina! Ora, assim é com amizade e seu encontro na verdade. Amizade sem obras, é morta; embora para ser amizade não demande uma confissão de fé, mas sim a confissão da fé como obra de fraternidade. E, no Caminho, isto acontece às pampas… Ora, é maravilhoso quando os espíritos que se conectam confessam acordos vocais também. Todavia, é indispensável que não nos deixemos iludir apenas por palavras a fim de decidirmos entregar o coração ao amor. O amor não se interessa por palavras, mas por obras; e sobretudo, se interessa apenas pelo que interessa, e isto a Razão nem sempre pode explicar ao Amor. Daí a gente nunca ter conversado muito, mas já termos dito tanta coisa um para o outro; e termos também nos discernido, quase no silêncio. Um beijo mais que amigo. Nele, em quem somos sem explicação, Caio