SALVAÇÃO E CURA PARA A VIDA

Na década de 80 eu falei muito sobre a relação entre cura e salvação nas ações de Jesus. Há mais de um livro meu que tratam do assunto de modo mais extenso.

Isso era na época em que eu sonhava muito com a possibilidade de que a “igreja evangélica” se tornasse uma “comunidade alternativa e terapêutica”, não uma comunidade paralela e adoecedora, conforme então já era, e hoje se tornou ainda mais profundamente—para além de toda a imaginação!

Jesus curava e dizia: “A tua fé de salvou”. Quando Ele perdoava pecados, também usava a mesma declaração: “A tua fé te salvou”. E Mateus nos diz que Ele fazia assim a fim de que se cumprisse a Escritura: “…ele levou sobre as nossas dores e as nossas enfermidades”…citando Isaías 53. De fato Isaías 53 não é uma descrição da crucificação, mas sim da vida redentora de Jesus. Toda ela.

O que não se entendeu ainda é que a Cruz é anterior à crucificação. Na realidade a Cruz vem antes de tudo, pois o Cordeiro foi imolado antes da fundação do mundo. A criação, especialmente em sua forma “consciente”—a dos humanos—, é a própria história da Cruz. Ele tomou sobre nossas dores antes delas existirem. E Ele as fez Dele antes delas existirem para nós.

Por isso a vida de Jesus é a vida na Cruz. A encarnação inicia o processo histórico no qual a crucificação foi apenas o cenário de um fato que, em Jesus, aconteceu o tempo todo. Jesus viveu na Cruz, por isso é que morreu nela. Esse é o poder de Sua ressurreição.

Também esse é o poder que Lhe deu autoridade “para abrir o Livro e lhe desatar os sete selos”—conforme Apocalipse 5. Quem abre o Livro é um Cordeiro, “como havia sido morto”.

Ora, o que isto tem a ver com cura e salvação? Ele levou sobre Si as nossas dores, enfermidades, iniqüidades, transgressões, descasos, preferências pela morte, e nossas falsas impressões, visto que “olhamo-Lo, e nenhuma beleza havia Nele que nos agradasse”.

Antes de curar um paralítico Ele disse: Estão perdoados os teus pecados. Como os fariseus e seus cúmplices se revoltassem, Ele indagou: O que é mais fácil? Dizer estão perdoados os teus pecados? Ou dizer: Levanta-te, toma o teu leito e anda? Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem autoridade para perdoar pecados—então disse ao paralítico: Levanta, toma o teu leito e anda.

 

Para Ele toda cura sinalizava a salvação, pois a salvação era a verdadeira cura. Ora, assim como a Cruz foi a vida de Jesus, assim também os benefícios dela crescem na existência daquele que crê. Só que é um processo: Ele viveu a Cruz até a crucificação. Eu venho da Cruz-crucificação e caminho salvo para ser curado no resto do caminho…até o mergulho final, quando esse corpo de morte será absorvido pela Vida.

As implicações disso são inúmeras. Aliás, tudo o que se tem para falar aos humanos tem a ver com esse processo. O Evangelho é o chamado para essa viagem de cura, na Graça de Deus. Estou afirmando isto porque as pessoas pensam que salvação é apenas um levantar de mãos que supostamente sinaliza o fato de nós “aceitarmos a Jesus”.

Quem aceita Jesus ainda está colocando algo em sua vida, dando permissão para alguma coisa entrar em sua existência. A questão é que a salvação implica no caminho oposto. Ela vem de eu entrar na Vida de um Outro: Aquele que por mim morreu e ressuscitou. Isto é estar “em Cristo”.

Você pergunta: E que diferença isso faz? Ora, faz toda a diferença. A começar do fato que somos salvos da idéia de uma salvação estática e paralisante. É essa salvação estática aquilo que gera o mal dessa presunção que hoje nos acomete. Somos os salvos mais doentes da Terra! Somos os salvos em quem não é possível enxergar salvação, mas no máximo “declarações de salvação”.

Pela Graça eu sou e estou salvo para sempre. Mas é pela mesma Graça que eu caminho na direção de minha Total Salvação. O esse processo termina quando nasce o homem conforme a imagem de Cristo, o varão perfeito, o homem refeito em Deus.

Dessa forma, eu fico sabendo que a salvação que eu recebi não me indica um caminho de “santidades que adoeçam”, e nem de “salvações que enfermem a alma”. Qualquer coisa—não importa travestida de que nome “santo” ela apareça—que faça adoecer, não faz parte da salvação.

Quando alguém diz que está se santificando, mas a gente vê que a pessoa está menos sadia do antes de começar a se “santificar”, pode-se saber que aquilo ali não é santificação, pois não carrega uma salvação para o ser, mas apenas o engana com algo que não se realiza como bem para ele.

Portanto, qualquer prática cristã que enferme a alma não é salvação, mesmo que seja praticada em nome dela. Somos salvos para sermos sarados, não para ficarmos neuróticos e adoecidos de alma, pelos medos, culpas, fobias, e terrores que nos assolam todos os dias, mesmo enquanto arrogantemente nos dizemos salvos.

“A tua fé te salvou. Entra na Paz!”—dizia Ele também. A verdadeira salvação faz a gente entrar na paz. Daí em diante acabam-se todos os medos em relação a Deus, e inicia-se o caminho da pacificação da alma—de onde vêm a nossa cura progressiva.

Quando se tem essa consciência até as enfermidades físicas carregam um poder terapêutico. Depois disso, tudo cura. Até aquilo que dói.

O alvo do Evangelho é gerar seres humanos cada vez mais sadios de alma e espírito. E essa é uma realidade que só nos acontece quando estamos na paz. Daí para frente a jornada é toda ela terapêutica. Mas não há cura enquanto pender sobre nós a culpa do pecado.

Por isso, antes de tudo, Ele disse ao paralítico: “Estão perdoados os teus pecados”. Ninguém é curado enquanto existe como culpado. E aqui não falo de receber uma cura para os ossos, ou para a pele, etc… Estou falando de cura para o ser, para a alma.

Ninguém cresce no caminho da cura enquanto caminha na neurose e na fobia do pecado. Somente depois que fico sabendo e creio que Ele já levou sobre Si todas as minhas mortes, é que começo a andar no caminho que me levará à paz. Afinal, o castigo que nos trás a paz estava sobre Ele, por isso é que pelas Suas pisaduras nós somos sarados.

Assim, a grande questão da vida já não é o pecado, mas a vida. Quem vive de pensar, ver e falar do pecado é aquele que ainda está profundamente doente.

Interessante isso.

Nos Evangelhos quem mais fala de pecado é a religião, não Jesus. Jesus fala em pecado em duas perspectivas:

 

1. Como denuncia: interessantemente tais discursos se dirigem aos que só falavam em pecado—o dos outros: os fariseus e os religiosos.

2. Como uma realidade sobre a qual Ele trás Graça: e também é interessante que aqueles aos quais Ele disse “estão perdoados os teus pecados” são justamente aqueles acerca dos quais a religião dizia: ”Este é pecador”.

 

A religião fala de pecado. Jesus fala de perdão de pecados. E fala de pecado àqueles que denunciam o pecado, sem enxergarem que quanto mais falam no assunto, mais doentes em sua presunção de não serem pecadores eles se tornavam.

Desse modo, a questão do perdão dos pecados é a primeira a ser resolvida—e para sempre—, a fim de que se possa crescer no dom da salvação como saúde humana. “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundancia”—disse Ele.

Se a compreensão em fé acerca do Evangelho não nos levar até aí, ficaremos falando de pecado a vida toda, e nos agarrando nervosa e neuroticamente à salvação, mas sem jamais usufruirmos de seu primeiro bem, que é a paz com Deus; e sem jamais podermos crescer em sua promessa, que é a vida abundante, começando aqui na Terra.

Nele,

Caio