Sem Barganhas com Deus, e algumas com os homens
Autenticidade parece ser sinônimo de verdadeirismo. Assim, os autênticos quase sempre são seres que não barganham nada. Eles não têm fome e sede de justiça. Eles buscam o justicismo.
Quem pratica o justicismo existencial em geral não pára na justiça e vai direto para o legalismo, que acaba sempre dando à luz a hipocrisia.
Se ser sem barganhas a fazer implicasse em justicismo a vida seria insuportável!
Todos nós fazemos escolhas todos os dias entre com quem con-sentimos e de quem des-cordamos, quase sempre baseados em critérios de barganha, pois, nem sempre admitimos que só tratamos bem aqueles de quem gostamos ou aqueles que nos tratam bem, como fazem todos os demais pagãos.
Somente Deus não tem barganhas a fazer!
E eu só sou salvo pela Graça muito a contra gosto, simplesmente porque Deus não nos deu outra alternativa. Daí o consentirmos com a Graça em teoria, mas não a suportarmos na prática.
Está consumado! É o que Jesus nos diz. Não é o que eu consigo dizer nem a mim mesmo. Preciso toda hora de argumentos que justifiquem até minhas antipatias ou simpatias. Temos que nos justificar até de quem gostamos ou não.
Aqui neste mundo caído tenho que aprender a não jogar pérolas aos porcos. Tenho que ser prudente como as serpentes e simples como as pombas. Mas também tenho que saber a hora de dizer “convêm antes obedecer a Deus, que aos homens”; ao mesmo tempo em que preciso exercer no dia a dia a liberdade de também poder dizer “todas as coisas me são lícitas mas nem todas me edificam”. Isto é assim porque “a fé que tu tens, tem-na para ti mesmo”; afinal, “a fé não é de todos” e além disso fomos “enviados como ovelhas para o meio de lobos”.
Por essa razão, devo viver vida digna diante de todos os homens e evitar a “aparência do mal”. Isto enquanto também não devo “julgar segundo a aparência, mas segundo a reta justiça”. Afinal, “aquilo que é elevado entre os homens” na maioria das vezes “é abominação diante de Deus” (o na “maioria das vezes” foi um deliberado abrandamento meu a um texto esmagador, pois Jesus não diz que é “na maioria das vezes”, mas simplesmente que “é abominação diante de Deus”).
Esse equilíbrio é o que o Evangelho chama de Liberdade!
E para se experimentar a Liberdade tem-se que estar livre em Cristo!
Mas para se estar livre em Cristo tem-se que se entregar sem barganhas diante e para Deus. Esse entregar-se, todavia, precisa implicar em “andar segundo o Espírito”. Ora, esse “andar” tem que nos plantar no chão que dá fruto. E esse chão é a Graça de Deus. E se é Graça, não é mérito nem quando frutifico. E é por esta razão que eu sou livre, pois, se creio que dou fruto de mim mesmo, sou lançado fora. E fora da árvore da Graça de Jesus nenhum fruto é fruto, pois, todo fruto é sempre fruto da Graça. Isto para que ninguém se glorie e toda boca se cale diante de Deus. Pois a auto-glorificação nos aprisiona à falsificação da realidade e da verdade; ou seja: à mentira essencial de que eu sou bom!
Liberdade, portanto, só acontece como certeza, confiança e fé na Graça daquele que o único que justifica o ímpio. O salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna.
O desafio agora é viver essa vida sem atropelar a fraqueza genuína do irmão que ainda não teve como crescer nessa compreensão.
Para os demais, o choque pode ser a pedagogia!
Que o Senhor nos dê Graça para que não poupemos a ninguém da verdade e também não esmaguemos as pessoas com a verdade—digo: deliberadamente. Afinal, não possuímos o discernimento todo de nada. Daí, termos que buscar “seguir a verdade em amor”.
Caio Fábio