SENDO SALVO DO PASSADO



 

 Oi, Caio!

 

A única pessoa com quem pensei em compartilhar isto foi com você.

 

Acabei de assistir um filme: “O Efeito Borboleta”. Chorei muito no final! E isto pra mim é algo como um milagre, pois faz alguns anos que não sinto o prazer de uma lágrima rolando em meu rosto.

 

Tenho 21 anos. Sei que não preciso abrir minha alma contigo. Você sente, e isto já me basta. Minha vida tem sido uma constante briga com meu passado. Ele é real, por mais que eu tente fingir que não. E ninguém o conhece, além de mim e Deus.

 

Recebi um fardo e tive que carregá-lo: por muito tempo eu fui um “salvador”.

 

Agora o vulcão explodiu! Sei que tenho que deixar a lava derramar e que todos têm que vê-la, mas isto ainda me dói. Meu trauma: abuso na infância!

 

Por isso o filme me chamou tanta a atenção. Isso me fez lembrar um livro: “O Banquete”, de Platão. Era algo aparentemente aceitável naquela época. Será que doía tanto na lembrança de uma pessoa daquela época o fato de ela ter sido “ensinada” por um adulto? Por que em mim é algo destruidor? Será que minha consciência seria mais livre se tivesse vivido nesta liberdade?

 

No “Admirável mundo novo” as crianças brincavam livremente com isso, e era normal. Por que isto é tão marcante? Não posso voltar. E isto me faz sofrer. Que culpa tenho? Será que isto tudo deveria ter ocorrido mesmo? E se fosse diferente?

 

Vejo outras pessoas e elas também têm traumas. E isto me alivia. Mas isto é procurar o “anormal” para que me sinta normal. Não me basta! Quero voltar…

 

Quero falar com Deus: “Hei! Você errou. Por que fez isto? Realmente há amor? Mas, sou o vaso, não posso perguntar… Então tenho que pensar diferente. E agora pensei assim: “Hei”! Deus, você errou novamente!” Deve haver injustiça para que haja a justiça? “Hei, Deus! Mas onde está a justiça? Não está aí contigo? Então porque ela não está aqui? Eu a quero. E o amor? És tu o amor?! E por que me sinto tão desamparado? Por que choro ao ver a falta de amor? Será que choraria a falta de amor se não me sentisse sem amor? Deus, por que me desamparaste?”

 

Eu não entendo! Mas pelo menos hoje chorei…

 

Caio, obrigado por você chorar com os que choram. Te amo! _________________________________________________________________________________

 

Resposta:

 

Meu querido amigo e irmão de caminhada na fé: Graça e Paz!

 

O chamado Efeito Borboleta se baseia na idéia de que uma revoada de borboletas na África pode se somar a um número infindável de outros fenômenos e forças, e, assim, gerar um tufão no outro lado da terra, nas águas do Pacifico, por exemplo.

 

O filme “O Efeito Borboleta” mostra que não importando quais sejam as mudanças que possam ser feitas no Passado — isso a fim de se evitar no Presente o que no Ontem foi ruim —, o resultado obtido pelas mudanças feitas nesse suposto Passado Alterável, nunca tornam o Presente melhor; ao contrário: tornam-no sempre pior.

 

Assim é que por causa de um trauma de natureza sexual, aquele menino do filme faz tudo o que pode para evitar aquilo que aconteceu como resultado do trauma, pensando que o problema estava no abuso sexual perpetrado contra ele e os amigos, sem saber que a verdadeira química do mal não estava exatamente ali — no ato do abuso —; mas sim naquilo que ele nem suspeitava que pudesse ser errado: o amor adoecido dele pela menina, que, no filme, era gente boa.

 

Desse modo, ele se oferece como “salvador” do passado, voltando a ele por todas as “entradas” possíveis, e sempre constatando que o resultado só tendia a piorar.

 

E é assim para ele (o jovem do filme) até que ele vem a compreender que o mal não estava no que houve, mas na incapacidade dele aceitar o que não pode ser mudado; ou seja: na obstinação dele por “organizar a queda” — como diz minha mulher.

 

Até que chega o dia em que a luz acende, e ele discerne… Sim, ele discerne que aquela química estava em si mesma fadada a produzir resultados ruins, independentemente das pessoas serem boas ou não.

 

No fim, meu amigo, se a gente chega perto do drama de cada um — até mesmo daquele “pai tarado” apresentado no filme —, todos são redimíveis individualmente (mas não coletivamente); posto que a proximidade dos indivíduos não nos permite deixar de ver a desgraça de cada um; até mesmo a desgraça do desgraçador.

 

Então, fica impossível não se apiedar de quem quer que seja. Portanto, a questão não é quem é e quem não é gente boa; pois, de perto, até o mais louco é digno de misericórdia, visto que é doente.

 

Sendo assim, as grandes lições do filme são as seguintes:

 

1. Não há passado melhorável, por mais trágico que tenha sido, posto que todo e qualquer outro passado alternativo, apenas tornaria pior aquilo que hoje chamamos de ruim, culpando o passado-havido por isto.

 

2. Não são necessariamente as pessoas “más” aquelas que nos fazem mal, posto que no filme a moça que é tão gente boa, e tão digna de ser “salva”, é justamente a “peça” que caotiza todas as possíveis combinações; e isto em qualquer versão do passado. Portanto, certas químicas de “vidas” é que sempre geram os resultados ruins. Ora, o que isto faz pensar e avaliar é acerca do quanto aquilo que nós chamamos de “bem e bom” — e lutamos para salvar — pode ser justamente o elemento catalizador das catástrofes, mantendo o “salvador” buscando soluções que não existem, visto que o mal está escondido justamente naquilo que ele julga ser bom e digno de salvação. Daí o moço, ao final, discernir que a única coisa a fazer com o Passado, é deixá-lo passar… O que, de fato, foi o que ele fez, quando, ao final, encontrou a moça na rua, já adulta, e decidiu não se reapresentar… Mas ao contrário disso deixou-a seguir o seu caminho.

 

3. Certas pessoas só têm a capacidade de nos fazer mal, e nós a elas. Em tais casos, mais claramente ainda, o melhor a fazer é ficar o mais longe possível. Você fez perguntas a Deus. “Hei, Deus!” Ora, não posso falar por Ele, mas posso falar por mim. E posso falar de um monte de coisas doídas que já me aconteceram, e de um monte de soluções de salvação que já tentei dar ao passado, buscando variações e alternativas para ele, sempre chegando à mesma conclusão: o que é, é; isto é tudo, e tudo é!

 

Assim, minha grande surpresa em relação ao Passado foi descobrir que ele pode ser melhor, do ponto de vista das “coisas evitáveis”; mas, ao mesmo tempo, foi a surpresa de também descobrir que as “coisas evitáveis” não evitam os resultados obtidos; posto que aquilo que faz mal, na maioria das vezes, é justamente aquilo que julgamos ser aquilo que deve ser preservado a qualquer custo.

 

Este é o tamanho de nosso auto-engano; ou: engano mesmo!

 

Portanto, mais uma vez “dou razão à Palavra de Deus” (também como diz minha mulher); e, assim, “esquecendo das coisas que para trás ficam, avanço para aquelas que adiante de mim estão”.

 

O “alvo” não é o que passou, mas o que ainda está por vir!

 

Tenho dito aqui no site que naquela lista de Romanos 8, acerca das coisas e dimensões que não nos podem “separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus”, tudo é mencionado: o presente, o porvir, as alturas e profundidades, os poderes, as camadas dimensionais e até mesmo qualquer outra criatura…

 

No entanto, o Passado não é incluído na lista; pois, embora ele não tenha o poder de nos afastar do amor de Deus, ele tem, todavia, o poder de nos impedir de experimentar o amor de Deus por nós, como você mesmo está sentindo na pela da alma Hoje.

 

Dizendo isto não estou advogando nenhum tipo de fatalismo, mas apenas afirmando minha confiança no amor de Deus, apesar deste mundo ser perverso e caído em suas manifestações de iniqüidade e injustiça.

 

Assim, aqui digo a você que não entendo nada, mas confio que Deus sabe por mim. E sabe para o meu bem!

 

Ora, isto me põe sempre outra vez no mesmo chão de confissão, no qual, juntamente com uma grande nuvem de testemunhas, eu tenho que dizer: “O justo vive pela fé!”

 

De fato, não é nossa tarefa organizar o caos, e nem salvar o mundo, mas sim aprender o caminho pessoal do bem que se oculta nos males que nos acometem.

 

Quando a gente deixa de tentar entender as coisas (como conjunto de realidades) e passa a buscar melhorar os resultados — não como quem pode mexer na história, mas apenas pode viver o presente —; o que surge é uma nova realidade, e que nos ensina que o importante nunca é o que aconteceu, nem como aconteceu, nem porque aconteceu — tais coisas já eram! —; mas sim o que fazemos com o acontecido, e quais são as escolhas que fazemos baseados no que é e no que foi; não no que um dia foi, embora já não seja.

 

Desse modo, a vida sempre nos força a viver no Dia Chamado Hoje!

 

No filme “Proposta Indecente” há uma frase dita pelo marido que decidiu consentir que a esposa (Demi Moore) passasse uma noite com o magnata (Redford), a qual (refiro-me à frase do filme), para mim, bem define o que se pode fazer em relação àquilo que no passado nos magoou. Lá está dito pelo marido para ela, a esposa: “Aprendi que se duas pessoas ficam juntas uma vez tendo se ferido, não é porque elas esquecem, mas sim porque elas perdoam”. (It is not because they forget, but because they forgive!”)

 

Assim, meu amigo, chegou a sua hora de perdoar o mundo, a vida, o passado, a história e todos os seus agentes!

 

Esquecer você não irá. Porém, pelo perdão, as lembranças serão desemocionalizada; e, por tal realidade, seu coração será pacificado!

 

Agora o que resta é saber o que você fará com você mesmo: se se entregará vitimado à vida, ou se aceitará todas as coisas como refugo (adubo), para ganhar em Cristo uma compreensão mais madura da vida, e, por tal entendimento, conseguir crescer sem amarguras na alma.

 

Quanto ao que está para explodir, saiba: não tem que ser de modo “Vesuviano”, com manifestações catastróficas.

 

É seu direito no Dia Chamado Hoje buscar o caminho mais equilibrado, conforme o seu bom senso e a sua consciência. Não imite os vulcões de ninguém. Basta a cada um o seu próprio vulcão. Portanto, não anteveja lavas catastróficas, mas sim aquilo que sendo verdade há de se manifestar como luz, para você. Se tais “derrames de lavas” são fruto de condicionamentos criados pelos abusos sexuais que vocês sofreu — ou, como você disse: “dos ensinamentos recebidos”, fazendo alusão a Platão —, não se odeie por isso; mas apenas busque apresentar a Deus a sua dor, sem culpa e sem questão, pedindo a Ele que o ajude a lidar com sabedoria e fé em relação às pulsões que hoje emergem como fruto de seu passado.

 

Mas também se pergunte: Será que tudo isto é apenas fruto do passado? Ou terá isto acontecido no passado apenas por que isso também já existia em mim?

 

O seu grande problema Hoje não é o que aconteceu Ontem, mas sim o que está acontecendo Agora, não como possibilidade de que haja derrame de lavas interiores, mas como possibilidade de que por tais coisas você entre no “Efeito Borboleta”, e fique tentando concertar o passado… Sempre o piorando!

 

“Dos teus pecados eu já nem me lembro mais” — diz o Senhor, o único que sabe não apenas perdoar, mas também esquecer para sempre.

 

Sugiro que você leia essa carta com todo carinho e amor, e que depois me escreva, quem sabe me dizendo exatamente em que ponto da iminência do “derrame de lavas” você se encontra Hoje.

 

Ah! Tem algo mais: o amor nunca está no passado, mas no Hoje, e cresce para amanhã. Portanto, ao invés de se entregar à culpa, abra sua alma para receber o sacramento do amor que Deus lhe servirá, posto que é somente pelo amor que o ontem, o hoje, e o amanhã poderão lhe aproveitar.

 

Deixe o amor guiar a sua vida; e não permita aos traumas determinarem como será a sua existência.

 

Receba todo meu carinho, e minhas orações!

 

Nele, em Quem ninguém é vítima, e, muito menos, uma surpresa para Deus,

 

Caio

 

 

Respondida em 25/01/05