SERÁ QUE DÁ PARA RECUPERAR O TEMPO PERDIDO?

Caio, Fico feliz por ver que Deus o está usando para matar a fome que há na alma de tantas pessoas que, como eu, precisam de pastoreio. Acabei de ler uma resposta sua à carta de uma menina, e, sensível como estou hoje, comecei a me enxergar naquela menina que, por falta de sabedoria, fez votos que não pode cumprir, e vive se reprimindo e se martirizando pelo que ainda nem fez. Tenho 43 anos, sou solteira, professora de Português, me acho bonita e inteligente, mas acho que não vivi minha juventude como deveria. Sofri repressão severa por parte de meu pai, outro tanto por parte da igreja e suas organizações para jovens, e outro tanto, talvez maior ainda, por parte de mim mesma. Para evitar conflitos com meu pai, como meus irmãos mais velhos tiveram, me forcei a viver como ele achava correto, para não dar-lhe motivo de queixa (as opiniões dos filhos a respeito de qualquer assunto só tinha valor para meu pai se coincidisse com seu próprio ponto de vista.) Isto não impediu que os conflitos acontecessem, mas vieram numa dose menor. Porém, nunca podia me abrir em casa, falar o que eu sentia ou pensava. Nas poucas vezes em que dei minha opinião, acabava entrando em discussão com ele e não era nada agradável… Então, na maior parte do tempo, eu fingia que concordava com suas opiniões e me calava. Ele tinha uma visão muito particular a respeito de namoro: ninguém era digno o suficiente para namorar suas filhas. Para ele, qualquer rapaz que se aproximasse de uma de nós era um moleque, no sentido que essa palavra tem aqui onde vivemos. Os casamentos que ocorreram na família, ou foram gerados por gravidez, ou se apresentaram como um meio de libertação da tirania dele. Resultado: quatro acabaram em divórcio; e um é “empurrado com a barriga” desde que começou. O próprio casamento de meus pais, que nunca prestou mesmo, acabou em divórcio há uns doze anos, quando ambos já eram septuagenários. Pois é, no meio desse cenário, estou eu. Como disse, acho que deixei o tempo passar, e nem vi. Me preservei tanto que não vivi. Me apaixonei algumas vezes, mas evitei levar adiante qualquer namoro para não ter problema em casa. Acabavam durando apenas até que o rapaz soubesse quem era meu pai ou até que eu percebesse que meu pequeno romance secreto seria descoberto em casa. Assim, desde meus dezoito, dezenove anos, passei a orar pedindo a Deus que me mandasse um cara legal… Enfim, um “príncipe encantado” cristão. Enquanto isso, me dediquei de corpo e alma ao serviço da igreja, e aos meus estudos; enquanto a vida foi passando. Apesar disso, a resposta para o que eu mais queria não vinha, e quando percebi, já estava com 28, 32, 38 anos, até que parei de ficar contando. Não acho que seja tarde demais, mas fico me perguntando se não desperdicei minha juventude, envolvendo-me nos trabalhos de jovens da igreja, sendo mais séria do que a maioria das pessoas da minha idade que eu via namorando, sendo jovens, vivendo. Algumas vezes me sentia excluída do grupo e isso me doía muito. Até que, para me tornar mais parecida com eles, para me sentir aceita, deixei de aceitar ser líder dos jovens, de aceitar cargos e mais cargos na igreja, onde eu era vista como uma menina tão ajuizada, tão crente, um verdadeiro exemplo para os demais, que nem mais menina eu era para eles. Ninguém sabia da inveja que eu sentia deles… O sexo era visto como uma coisa tão pecaminosa na minha casa, que me reprimi até meus trinta anos, quando não resisti a uma paixão, e me entreguei a um namorado. Senti tanta culpa, que procurei o pastor e fiz a temida confissão. Ainda bem que ele não ficou me recriminando. Caio, hoje continuo solteira depois de um namoro mais sério, o qual eu esperava que se tornasse um casamento, há uns dois anos. Mas que acabou de uma maneira muito louca. Hoje, não tenho mais aquela visão romântica e irreal de casamento, mas me sinto meio ludibriada, passada para trás pela visão idiota que a igreja tem de casamento, sexo, virgindade, etc. De vez em quando me lembro daqueles famosos estudos feitos nos acampamentos, que ensinavam que os jovens devem permanecer “puros” para o casamento, como se o sexo fosse torná-los impuros; e me dá uma raiva. Entenda, eu sei que a intenção podia ser das melhores, mas parece que os líderes evangélicos vivem em outro mundo, e até hoje ainda querem que os jovens os acompanhem a esse planeta onde só há virtudes e virtuosos. Que idiotice, que hipocrisia, que tanto coar mosquito e engolir camelo. Estou cheia de tudo isso e desiludida também. Queria muito que você respondesse essa carta, mesmo sabendo que há pessoas com problemas muito mais urgentes e graves a quem sua resposta tem que acontecer primeiro. Porém, se não der, pelo menos serviu como desabafo, o que já é de grande ajuda. Que o Senhor derrame da Sua sabedoria sobre sua mente e da Sua alegria em sua alma, para que a resposta certa esteja em sua boca. Com todo meu carinho, ________________________________________________________________________________ Minha amiga querida, A vida boa e gostosa começa aos quarenta! Tudo o que veio antes, já não pode ser mudado. Mas com a consciência de hoje, você pode mudar agora, e andar com a consciência adulta, mediante a qual você poderá discernir as boas oportunidades e os bons prazeres. Sim, falo daqueles prazeres que não trazem desgosto. Agora, a raiva está presente. Raiva da irrealidade do ensino que lhe foi passado, e dos boicotes à vida e à normalidade da existência que lhe foram impostos, ou auto-impostos, em razão da coerção do meio: pai, família e igreja. No entanto, tomar a consciência que você tomou, não deve gerar amargura, mas alegria. Afinal, minha querida, você ainda é uma menina. Deixe a raiva de lado e use essa energia para viver! Sei que logo você me dará boas notícias! Receba meu carinho! Nele, que é o Senhor de todas as estações da vida, Caio