Acabo de ler a carta de alguém sobre a pregação de domingo passado, no Caminho,
Na verdade, ha muitos assuntos sobre os quais tenho vontade de conversar com você. Mas meu desconfiomentro me impede, porque sou eu e… a torcida do Flamengo. Tenho evitado escrever porque hoje minhas questões me parecem burguesas diante de tantas coisas mais urgentes, mais desesperadoras que vejo no site. Alem disso, não tenho uma questão… tenho muitas.
Tenho visitado seu site desde o comecinho. Foi uma das mais agradáveis surpresas quando o descobri (o site) em 2003. E te afirmo: Como tenho sido ajudada aqui!
Depois, com sua presença em Brasília, as mensagens trazidas, tenho me sentido liberta e até mesmo em processo de cura em algumas questões essenciais, como a da Culpa X Graça. E, por tudo isso, tenho estado lá, no Caminho.
No entanto, hoje, depois de ler a carta da moca sobre a pregação de domingo passado, decidi escrever, pois já queria faze-lo desde domingo depois daquela mensagem, que tanto me tocou, que achei tão bíblica, tão verdadeira e… tão pouco anunciada. Receio apenas que você ache que minha questão já esteja respondida na carta da moca. Se for assim, me desculpe.
Bem, minha historia é o inverso da dela. Eu sou “a outra” que um dia magoou muito alguém. Isso já tem uns 17 anos. Naquela ocasião eu era membro de uma igreja (igreja histórica), me considerava realmente convertida, mas já vinha com um histórico de relacionamentos amorosos frustrados por “profecias” (É que a minha conversão se deu numa igreja pentecostal).
Um ‘belo dia”, ha 17 anos, sem aviso prévio, me vi profundamente envolvida com um homem casado. Eu, que era tão “certinha”… Foi horrível no começo, no meio e no fim. No começo, porque veio todo aquele sentimento de pecado, e pecado de adultério! Mas a paixão de ambas as partes foi fulminante. Eu orava e chorava, porque sabia que não conseguiria deixar essa pessoa. E dizia isso a Deus, nas minhas orações. Seis meses depois, esse homem deixou sua casa e foi morar comigo. Fiquei pasma, pois nunca tínhamos conversado sobre o assunto, mas fiquei super feliz, pois teria aquele a quem amava comigo o tempo todo. Na minha cabeça era um casamento.
Achei de pedir “exclusão” da minha igreja, sem detalhar as razoes. Disse apenas que eram pessoais. E, assim, fui “viver minha vida”.
Não demorou nem uma semana pra que a mulher dele me ligasse, dizendo tudo o que ela achava de mim. Pra encurtar um pouco a historia, minha vida virou um inferno desde então.
Durante uns 6 anos ela ligava pra mim, na nossa casa ou no trabalho, praticamente todos os dias, às vezes com ameaças, às vezes com muito choro e me pedindo pra deixar o marido dela. Houve vezes até em que ela tentou—ou simulou, não sei—atos de suicídio, como tomar bebida e comprimidos.
Lembro-me de uma vez, ainda no começo, em que ela me ligou e disse assim: “Liguei pra te dizer que eu te perdôo”. Naquela hora, imaginei que alguém, de alguma igreja evangélica (ela não é evangélica, mas deve ter buscado ajuda de alguém), tivesse dito a ela que ela só poderia ser abençoada se me perdoasse. E, confesso, até hoje penso que foi assim, pois quando eu lhe respondi que isso era bom, pra ela e pra mim. Ela imediatamente rebateu com uma resposta cheia de ódio e rancor. Eu a tinha chamado pelo nome, sem nenhum pronome de tratamento antes. E ela me disse, com a maior raiva: “Fulana, não! Dona Fulana”.
Bem, o meu relacionamento com esse homem, como não poderia deixar de ser, embora cheio de amor, paixão e amizade, foi seguindo aos trancos e barrancos, com muitas idas e vindas. Isso, porque ele não tomava uma atitude em relação a constituir uma família de verdade, comigo. Primeiro, porque nunca conseguiu se separar dela judicialmente, e eu requeria isso. Segundo, porque também não quis ter filhos comigo. Tudo, a meu ver, por conta de um sentimento de culpa muito grande e que não permitia que ele vivesse a sua vida comigo. Ele mesmo dizia que não conseguia praticar mais nem um ato que a fizesse sofrer. Mas ficava comigo, não conseguia me deixar; e, quando eu o deixava, ele vinha atrás, com promessas de que seria tudo diferente.
Com o passar dos anos essa situação foi me deixando triste, amargurada, com raiva dele. Nesse momento eu até procurei você, no Rio. A historia já tinha 10 anos e estava praticamente no fim. Mas, como ele não me deixava, eu não conseguia também me libertar; ao mesmo tempo que já não era mais o que eu queria pra minha vida.
Procurei por você porque queria uma palavra que sabia que não encontraria nos pastores que—na época—eu conhecia aqui. Estava arrasada e crente que Deus virava o rosto de mim. Sua palavra naquela ocasião foi um balsamo, que certamente foi um turning point na minha vida (outro). Foi a primeira vez que o tema da Graça apareceu pra mim. Antes, era uma palavra, que vez por outra eu ouvia numa pregação, mas nada mais que isso.
Hoje eu e esse homem somos grandes, grandes amigos. E ele nunca voltou pra a esposa, tem outro relacionamento.
Há 4 anos, quando tive um problema que me levou a depressão, no desespero de obter a cura, vasculhei tudo na minha vida. Comecei a “devolver até o que não tinha roubado”. Essa questão, desse relacionamento e, principalmente, o mal que tinha feito a essa mulher, me veio ao pensamento com toda a forca. Sempre soube que tinha feito um grande mal a ela, mas foi só naquele momento que eu pude ‘realizar’ a extensão desse mal.
Conversando com uma amiga que conhece aquela mulher, falei que eu gostaria de pedir perdão a ela, a esposa traída. A minha revelia, essa amiga contou esse meu comentário para um pessoa ligada à mulher, e ela disse as seguintes palavras: “Eu jamais, jamais mesmo, vou perdoar essa moca. Sei que se não fosse com ela, seria com outra, mas foi com ela.”
O tempo passou, eu graças a Deus fiquei boa da depressão—numa experiência muito bonita que, acredito, foi uma experiência com Deus—, minha mente se acalmou com relação a muitas coisas, inclusive com relação a essa mulher. Tomei a coisa como algo que, pelo menos por enquanto, eu não tinha como resolver.
Domingo, durante a pregação, eu, como a outra moca da carta, estava com meu envelope de oferta prontinho. Mas, na hora de entregar, relutei…
Eu penso que não tenho condição de procurar essa mulher. Sei do ódio dela por mim. Sei que é com razão. O que não sei é como chegar. Também não vejo, dentro de mim, sentimentos sinceros, em relação a qualquer dialogo que eu possa ter com ela. Quando você falou que seu pai, ao se converter, escreveu cartas pra aqueles que não o quiseram receber, eu também pude perceber que nem mesmo isso eu conseguiria fazer. Mas, Pastor, quero lhe dizer uma coisa: Hoje eu não estou mais nessa de fazer barganhas com Deus. No entanto, quero, sim, viver de um modo agradável a Ele. Tenho pedido isso a Ele. Mas não é o que faço, muitas vezes.
Será que essa é uma das vezes? Olhe, eu penso que entendi a mensagem. Não estou neurótica, não estou procurando, vasculhando coisas. Ocorre que a pessoa que eu ofendi não morreu; está lá, e esta cheia de ódio de mim, com toda a razão.
Me diz alguma coisa?
Bem, por agora é tudo.
Com carinho,
Resposta:
Minha amiga querida: Obrigado pela boa semente que você plantou em nossos corações logo no primeiro dia em Brasília!
Há coisas que a gente pode ainda resolver no caminho, enquanto se está andando. No entanto, essa “libertação” que Jesus propôs, e que tira a alma do poder da culpa que remete o indivíduo para a “prisão” interior, e que pode deixar a pessoa nas “mãos dos verdugos” interiores, tem várias facetas.
Uma faceta é a da pessoa que ofendeu, no caso, o marido dela—ele é o ofensor; você é o “bode expiatório”. Outra é a faceta do “objeto da projeção do ódio”, que é você, visto que é você quem recebe o ódio dela. E a outra é da ofendida, ela, a ex-esposa, e que precisa ser liberta de seu ódio, tanto aquele que ela lança sobre o “ofensor-marido”, como aquele que ela projeta sobre você—o “Bode Expiatório”.
Entretanto, ela mesma é responsável pela manutenção do que ela sente, visto que durante anos ela tem nutrido esse sentimento. Ora, pode-se fazer todas as retratações possíveis, mas isso não garante que o “ofendido” ficará livre de seu ódio. No entanto, isso já não diz respeito ao “ofensor”, visto que ele só tem poder de ir até ao “adversário”, e pedir perdão a ele. Daí em diante… tudo o mais não está mais nas mãos dele, visto que é agora algo apenas do outro: do ofendido, que pode perdoar, ou, quem sabe, fazer a escolha pelo ódio, para o seu próprio mal interior.
O texto de Mateus 5: 21-26 fala não do seu caso, mas de um outro completamente diferente. No entanto, onde quer que a gente veja que ofendeu alguém, o espírito do Evangelho, conforme a Graça, ordena que a gente peça perdão, sinceramente. Mas é só até aí onde se pode ir.
Bem, eu disse que o texto em questão não fala de seu caso por uma simples razão: ali se tem a descrição de um ser maligno, hostil, homicida de alma, e que existe tomado de iras imotivadas e antipatias gratuitas, de fazer insultos em ferro e fogo, e que marcam a alma do outro; e também existe fazendo a desconstrução do outro, esvaziando-lhe o ser, vampirizando-o de modo deliberado, e tornando-o, para si mesmo, um “nada”, um ser “oco”, sugado que foi de si mesmo, posto que o outro fez dele um “raca”—a palavra usada por Jesus para “tolo” é “raca”, e que significa oco, vazio…
Portanto, trata-se de uma ação deliberada e que se cronificou nesse estado, tanto no coração do ofensor contumaz, quanto também no ofendido, que é objeto de tal ação de homicídio gradual, paulatino e de natureza psicológica.
Desse modo, a rigor, isso nada tem a ver com você. Tem a ver com você nas dimensões de “projeção” da outra a seu respeito, coisa que hoje ela própria discerne, inclusive quando diz que vai odiar para sempre, mesmo sabendo que “se não tivesse sido você, seria outra”.
Eu já ofendi pessoas mediante ações do mesmo gênero, porém nunca me vi como esse “ofensor”, visto que nunca vivi com esse espírito da ira imotivada, do insulto e da tentativa de anular o outro. Desse modo, até com longa insistência, pedi sistematicamente que me perdoassem—refiro-me apenas às pessoas que se sentiram direta e objetivamente ofendidas pelo que fiz—, e, pela misericórdia de Deus, muito mais para o bem deles, tive a alegria de encontrar esse lugar de reconciliação total com eles.
Naquele domingo meu temor era que aquela palavra, que é cura para o ser adoecido pelo espírito homicida, pudesse ser entendida de modo superlativizado, e, assim, pusesse algumas pessoas no caminho de aflições neuróticas. Daí eu ter repetido muitas vezes quais eram as situações de natureza objetiva e crônicas acerca das quais eu estava falando.
De fato, minha preocupação é com a cristalização do estado de homicídio psicológico, conforme descrito por Jesus, e que tem o poder de arruinar vidas. No entanto, trata-se de um espírito presente nas ações da vida, e trata-se de algo crônico, e que se torna um modo de tratar o próximo.
No seu caso, sugiro que você não faça nada. Se, algum dia, espontaneamente, puder mandar um cartão de natal para ela pedindo que ela a perdoa por todos os desgostos que ela teve e que se associaram a você, faça-o em paz, e sem neurose. Mas se achar que não ajudaria, não force nada. Apenas deixe diante de Deus, e creia que Ele vai fazer as coisas próprias em cada um.
Portanto, falei ali de um modo de ser, de um espírito, de uma atitude, de uma energia constante, de um odor espiritual, e que tem o poder de arruinar o outro, mas que nunca deixa o “homicida psicológico” em paz, posto que a paz não convive com nenhuma forma de ira, antipatia, insulto-bomba, ou ação de esvaziamento do próximo. O fim desse caminho é que o indivíduo fica na masmorra da alma, e fica lá “pagando até o último centavo”; e tais “centavos” são recursos do ser, e que se esvaem até que o processo interior seja estancado pela ação da consciência que reconhece o mal feito e praticado de modo tão consistente contra outros.
Assim, minha amiga, fique em paz, e não torne seu algo que você não é!
Sábado e domingo estaremos juntos. Aguardo você!
Receba meu beijo e carinho!
Nele,
Caio