SERES ILUMINADOS

Leitura: Mateus 6 e 7 O convite de Deus é para que sejamos seres iluminados. Mas para isto tem-se que converter o modo de olhar a vida. O chamado é ser-andar na e para a Luz da Vida. A vida, no entanto, está no olhar. Jesus disse que os “olhos são a lâmpada do corpo”, e que um olhar limpo torna puro e ilumina todo o ser. Todas as coisas são puras para os puros. E os limpos de coração vêem a Deus em tudo, e tudo em Deus. Assim o olhar faz o ser luminoso, na mesma medida em que é o ser quem enxerga. Interessante é que Jesus disse isto após ter falado do olhar como atribuição de valores, conforme critérios de perecibilidade ou de imperecibilidade; ou seja: conforme tesouros da terra ou do céu. Pois onde está o tesouro, que é determinado pelo olhar, aí está também o culto do coração. Na seqüência à afirmativa de que a vida luminosa emana de um olhar limpo, Jesus falou da impossibilidade do ser de dividir existencialmente nossas devoções. Isto porque o chamado da alma é mono, é para uma só coisa. É para Deus. Daí não poder servir a Deus e às riquezas idolátricas fabricadas pelo olhar do homem que cultua pedras preciosas ou qualquer outra coisa. Mais cedo ou mais tarde um dos modos de enxergar vai prevalecer. Enquanto isto a alma existirá entre amor e a aversão, rachada e angustiada, pois se ama a um, aborrece o outro, e vice versa. Jesus disse que “ninguém” tem o poder de servir a dois amores. Ninguém. Homem nenhum. Alma nenhuma. Sob pena de existir odiando o que ama e amando o que odeia. Assim, se culpa por amar ou odiar. E desse modo será até que a alma se entregue a Deus, pois se se entregar aos deuses da terra, inevitavelmente se tornará insegura e ansiosa, seja por não ter o que julga ser suficiente, seja porque julgue que possui demais (mas nunca o bastante!), caindo na ansiedade que possui todo aquele que não sabe mais como existir sem ter muitos bens materiais; ao mesmo tempo em que sabe que os ladrões escavam e roubam, e que a ferrugem e a traça corroem. Daí não ter paz para gozar nem mesmo o que pensa possuir, posto que sabe que seu bem não resiste nem às catástrofes e nem pode ser levado para além da morte. Por esta razão Jesus ordena a conversão do olhar, fazendo com que a ansiedade dê lugar à confiança. Isto, porém, só acontece quando o olhar fica seduzido pela eternidade, onde os tesouros não são corruptíveis. Por isto se deve (para nosso próprio bem) buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, confiando que qualquer outra coisa necessária nos será acrescentada. Esta confiança limpa o olhar! De fato Jesus nos incita, no mínimo, à espontaneidade dos lírios e a confiança dos pardais. Ele pede que creiamos que Salomão não é o padrão de riqueza, beleza e elegância. Sim, Ele pede que nos permitamos florescer no chão da providencia, e nos deixemos aninhar como confiantes pardaizinhos nos braços da total e pacificada confiança. Pois se o Pai cuida de lírios e pardais, por que, com muito mais razão não cuidaria de nós? A questão é que todo aquele que não crê, esse desconfia de qualquer amor, especialmente do amor de Deus. Ora, Jesus disse que a luz do ser é fruto de um olhar de confiança no amor de Deus, e que é o único modo de olhar a vida para a Vida. Para Ele isto era estar no refúgio, pois o refúgio em Deus só existe no olhar do homem que confia. Assim, o homem viverá pela fé, e entenderá que cada dia tem seu mal, e que cada mal nada mais é que material para se transformar em tesouro de bem, pois se sabe que “nosso Pai Celestial nos sustenta”. “Basta a cada dia o seu próprio mal” significa: Basta a cada dia o seu próprio ocorrer. Todavia, Jesus também disse que um olhar mal faz com que o ser inteiro se torne escuridão e trevas. E completou o significado disso quando descreveu o mal olhar, ao dizer: “Não julgueis para que não sejais julgados”—mostrando desse modo que o Juízo de cada um, é o juízo que cada um faz do próximo. A medida de meu Juízo é a medida de meu juízo. Se sou misericordioso, misericórdia receberei. Mas se sou implicante, odiento, perverso, preconceituoso, moralista, legalista, judicioso, ácido, hostil, maquiavélico, implacável, desafeiçoado, sem afeto natural e sem misericórdia com meu próximo, serei julgado no meu próprio interior, e serei mergulhado no inferno, posto que aquilo que julgo e vejo em meu próximo, só é conhecido por mim porque existe em mim e contra mim. Portanto, estou julgando e condenando a mim mesmo quando julgo e condeno ao inferno ou à alienação o meu próximo. Cada homem tece seu próprio inferno pelo juízo que emite. Jesus disse que a caricatura que bem expressa a imagem desse modo de olhar a vida, é a de um homem que carrega no meio do olho uma estaca, e que se arroga ao papel de acusador dos que têm um cisco no olho. Jesus disse que a hipocrisia judiciosa é que produz esse olhar de trevas. Posto que quando julgo, apenas projeto as minhas próprias sombras, enormes e gigantescas, e que emanam de meus mais tarados desejos e perversidades, e que se mostram pela escuridade dos juízos que emito e professo, muitas vezes com hostilidade preconcebida. Nenhum mal é maldade se não é premeditado e predisposto. Todavia, Jesus não chama a ninguém para a alienação. Ao contrario, Ele diz que essa luz do olhar começa quando a pessoa dispõe-se a se enxergar. “Tira primeiro a trave de teu próprio olho. Então, depois, poderás tirar o cisco do olho de teu irmão”. Só que agora esta ação de tirar o cisco do olho do próximo, é a obra de um ser consciente de si, e que encara suas próprias sombras, mentiras e verdades, e que em encarando-as, faz com que elas se manifestem, e tudo o que se manifesta já está na luz. Por isto, já não é um hipócrita julgando um pecador, mas um pecador consciente da Graça, pedindo a permissão para chegar perto do próximo com um cisco no olho, apenas por saber o quanto é incomodo e o quanto dói, mas fará isto apenas e sobretudo como irmão, e apenas e sobretudo porque ele mesmo sabe na própria carne o significado daquela dor ou limitação. Assim, para Jesus, somente o olhar que é franco e confiante no amor de Deus, é que emana luz espiritual. Mas o olhar do juízo, da cobiça e da auto-segurança (que nada mais é que o disfarce da mais profunda insegurança arrogante), abismam o homem interior no lugar existencial das trevas. E isto tanto faz se a pessoa é um banqueiro, um pastor, um padre, um monge, um mestre, ou qualquer outro indivíduo. Se a nossa existência não for na confiança da Graça de Deus, então, seja pela idolatria do dinheiro e dos bens materiais, seja pelo culto ao ego, seja pela adoração no panteão do saber ou da presunção moral—não importa onde, mas apenas como—, então, o que se instalará serão trevas. Corpo luminoso ou corpo de escuridão e sombra. Jesus disse que existem tais seres. E é assim que são percebidos no mundo do espírito. Sim, o mundo espiritual olha e enxerga sobretudo a escuridade dos “iluminados” pela purpurina religiosa e pseudo-carismática. Para quem anda preocupado com não dar espaço para o diabo em sua vida, eis o que Jesus tem a dizer: Ame a Deus de todo o seu coração, confie Nele, pois Ele é Pai. Perceba o seu próximo como um sacramento, e o seu ser emanará luz espiritual, e será todo iluminado. Ajude cada um o seu próximo como um igual (pois iguais todos são). Sim, ajudem-se mutuamente como irmãos. Pois o Pai é Pai de todos, e cuida de cada um. É a certeza de que o Pai cuida de nós que nos leva a ter espírito da Graça, e que nos faz ajudar uns aos outros em amor. E isto decorre de uma maneira de olhar. Esse olhar é a luz da vida, pois é a luz do ser. Assim ensinou Jesus. O que passar disto não é luz. É “luz negra” na noite do baile das máscaras humanas. A hipocrisia de não se expressar do modo como a gente se enxerga, é que gera a sombra, e que se projeta como juízo e maldade existencial. E esta forma de ver é o nosso próprio Juízo. Ora, andar em juízo é andar em trevas. E os seres das trevas se ajuntam para fazer mal a si mesmos e uns aos outros. Ande iluminado caminhando no amor de Deus, e o seu ser encontrará feliz comunhão sempre que você encontrar essa luz num outro irmão. Quem anda na luz anda, caminha liberdade, pois vê através Daquele que é a luz deste mundo. O ser-luz pode ir onde desejar, pois, onde chega, as trevas se vão… Os filhos da luz têm prazer uns nos outros. Mas os que enxergam com o olhar da escuridade, guiar-se-ão uns aos outros para o abismo da presunção de ver, que é o inferno do julgar. Caio