SOLIDÃO À FRANCESA



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From: SOLIDÃO À FRANCESA
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Sent: Friday, March 17, 2006 9:24 PM

Bom dia, Pr Caio!

Começo explicando um pouco quem sou e o que atravesso depois de alguns anos.

Vivo na Europa, na França, há 8 anos. Estou radicada neste país especialmente por razões profissionais. Sou cantora erudita, e o mercado profissional me “aceitou”. Não tenho do que reclamar.

Sinto-me um pouco exilada, pois, no meu querido Brasil não poderia exercer meu trabalho como o faço aqui. A principio vim para cá por ser esposa, já no Brasil, de um Francês que resolveu voltar ao seu pais. Hoje somos divorciados. Não me errependo da iniciativa que tomei neste sentido, mas no meu espirito a separaçao seria para reconstruir uma vida afetiva verdadeira.

Foi tudo muito duro! Sozinha, sem dinheiro, e sem trabalho suficiente na época. Senti que Deus esteve tão presente! Tudo se organizou. Era tão fácil lutar! Hoje é tudo tao diferente!

Esta noite volto de um dos concertos onde tudo se passou tão bem, mas algo me veio à mente: sinto-me tao sozinha!

Como é dura esta solidao!

Por que não consegui refazer minha vida com alguém?

O vazio está minando o meu espírito alegre ( sou uma pessoa otimista ). Sem falar da luta para combater os ciúmes do meio artistico, que é tão ingrato: o racismo, o aprendizado solitario do dia à dia de viver em outra cultura, etc… Não tenho filhos; tenho quase 40 anos; enfim, há tantos medos!

Onde esta Deus?

Tenho pedido tanto pra não deixar o meu “ser” morrer pela falta de fé!! Estou cansada! Estou me sentindo sozinha! Tenho observado um certo espírito de amargura em mim. Às vezes sou estressada; ou faço força para não mostrar o que sinto.

O senhor poderia orar por mim?

Aqui o isolamento espiritual também é forte. Tento ajudar alguns cristaos que, às vezes, passam neste país. Eles dizem que sou um “forte exemplo” da Igreja invisivel!!

O senhor poderia me ajudar?

Abraços,
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Resposta:


Minha querida amiga: Graça, Paz e Consolação!


Solidão é algo inevitável num certo sentido. Sim, porque ser um indivíduo, no sentido existencial do termo, é ser só; a menos que a pessoa tenha a consciência que diga: “Eu porém não estou só; pois meu Pai está comigo”.

A leitura de toda a Escritura nos apresenta inumeráveis narrativas de indivíduos vivendo em estado tanto de solidão em relação ao próximo; como também esperimentando o sentimento dos exilados; ou mesmo nos apresenta as depressõs daqueles que, por alguma razão, ficaram tristes até a beira da morte, como se vê nos Salmos e nas angustias dos profetas.

Jesus conheceu solitude, que é uma escolha; e experimentou a solidão relacional, quando pediu que com Ele vigiassem, e não obteve ajuda; quando rogou que ficassem pelo menos uma hora acordados com Ele, antes de Sua prisão, mas Seus amigos se renderam ao sono.

Jesus, também, conheceu a pior e mais insuportável forma de solidão, que o desamparo de Deus, na Cruz; e, além disso, na morte; onde mergulhou no Abismo da Solidão: o Hades e o inferno; pois provou não apenas o inferno de cada indivíduo, mas todos os infernos, feitos de todos infernos existenciais, e, além disso, entrou na dimensaão do Inferno mesmo, conforme nos diz Pedro; e lá provou como homem, por todos os homens, a Solidão eterna: o Inferno.

Na segunda cartinha de Paulo ao seu amigo e discípulo-filho, Timóteo, o apóstolo diz de sua solidão na fria, úmida, e silenciosa prisão onde fora posto, era algo difícil para ele. Naquela prisão ele fora abandonado por quase todos, exceto Lucas; sem falar de um tal Alexandre o latoeiro, que o traiu em um dos julgamentos, tendo ido como testemunha da defesa e se tornado testemunha de acusação; enquanto os demais apenas frizeram silêncio na mesma ocasião.

Então, lá está Paulo, sem amigos, na prisão, com frio e necessitado de uma capa; tomado pelo tédio e carente de livros para ler; e, sobretudo, de presenças e de amigos, como Timóteo.

De fato, antes da Queda, nunca era bom que um homem estivesse só; e, agora, após ela, pode-se dizer que “quase nunca” é bom que o homem estaja só!

Sim, porque até aquilo que antes era absoluto — “não é bom que o homem esteja só” —, após a Queda, passa a ter suas “exceções”; as quais, tanto acontecem de modo doentio e anti-social; como também pode acontecer como algo sadio, para determinados indivíduos, os quais, são seres solitários por opção. O que deferencia um caso do outro é que o primeiro indivíduo não ama e nem se relaciona; e o segundo é solitário, porém, solidário e não foge de seu semelhante.

Sua situação, todavia, é outra: você nem aprecia a solitude e, muito menos, a solidão. O que lhe sugiro, portanto, é que você tente transformar sua solidão em solitude pacificada e contente, pela fé, e andando em gratidão.

Entretanto, nem por isto deixará de haver dias de “frio e tédio”, conforme aprendemos com Paulo. Todavia, se a sua solitude for em Deus, e se tornar grata e criativa, provavelmente você prove um dos tempos mais ricos de sua existência.

Até aqui, entretanto, falei de coisas conceituais e pouco práticas. Portanto, deixe-me lhe dizer algumas coisas sobre a sua carta.

O que percebi é que sua “sensação” de distanciamento de “Deus” é equivalente à sua sensação de solidão relacional; a qual é, sobretudo, carência de um homem, de um companheiro. Afinal, você associou o seu divórcio à esperança de “recomeçar” a vida com outro alguém, com quem você pudesse e possa ser feliz; não é mesmo?

Portanto, do ponto de vista da verdade, a questão não é “Onde Deus está?” — conforme você bradou. A verdadeira questão é outra: “Deus! Onde meu homem está?”.

Ou seja:

Você, de certa forma, crê que Deus pode ser o seu cupido; o que é uma visão grega feita cristã. Isto porque, no V.T., tanto quanto no Novo, não se encontra em nenhum lugar esse “Deus Cupído”.

Na realidade, tanto nas Escrituras como também em Jesus, não vemos uma única intervenção divina, que tenha sido “narrada” na Bíblia, na qual um homem e uma mulher tenham sido “casados” por Deus; e com tal afirmação de que aquele casal se amou por soberania divina.

Ao contrário, tanto a Escritura quanto Jesus “passam batidos” por tal temática.

Assim, nas Escrituras e nos evangelhos, quem se encontra é porque se encontrou; e não há uma única oração ou intercessão feita a Jesus do tipo: “Ó Deus! Dá-me um marido!”

Ora, com isto não digo que tal oração não foi e é feita aos trilhões! O que digo é que tal fato não entrou naquela lista de Paulo, na qual ele diz que “tudo o que foi escrito; para nossa consolação foi escrito; para que pela consolação das Escrituras tenhamos esperança”.

Sabendo que seu problema não é Deus, mas no máximo “Deus”; e sabendo que seu problema não é distanciamento de Deus, mas carência de ter um companheiro legal; e sabendo que você só interpelou Deus porque seu “Deus é Cupido” — o que temos que fazer agora são algumas coisas mais práticas ainda.

1. Preconceito: Ora, em quase todos os países os estrangeros são objeto de alguma forma de preconceito. Garanto-lhe, entretanto, que em geral são mulheres locais sendo preconceituosas com mulheres estrangeiras; e o mesmo vale para os homens. Porém, na maioria das vezes, os sexos opostos acabam por se tornar curiosos acerca do estrangeiro (a), razão pela qual tantos casais de países diferentes se casam. Portanto, não internalize o preconceito natural, fazendo-o tornar-se algo que faça você feia e desinteressante para si mesma; pois, quando isto acontece, a pessoa, inconscientemente, passa a “espantar” qualquer interessado. A verdadeira beleza e atração de uma pessoa é proporcional à segurança que ela tenha acerca de si mesma, não importando a opinião de terceiros.

2. Um homem: Antes de se preocupar com um homem, busque fazer amigos. Uma mulher que tem muitos amigos e amigas, atrai muito mais amigos ainda, e, por conta disso, atrai homens interessados nela também. “A quem tem se lhe dará” é um princípio existencial, psicológico, econômico, finaceiro, e de qualquer outra natureza, e aplicável a qualquer área da vida. Namorar com segurança é mais difícil. Mas fazer amigos e ir conhecendo-os, é muito mais fácil. E é daí desse ponto que tudo deve começar; a menos que você leve um “susto bom” da vida. Nesse caso, é o bônus; pois o normal é ser conforme estou lhe descrevendo.

3. Contatos: Se você me der permissão, colocarei seu e-mail aqui no site, com a recomendação de que aqueles leitores que vivem na França façam contato com você. Nesse caso, até uma reunião regular vocês poderiam iniciar; e creio que seria bom para todos; pois, à sua semelhança, há muitos outros, aí ao seu lado, sentindo-se sós também. Assim, provavelmente, a informação e o contato possam ajudar.

4. Ajuda Hoje: No mais, vá lendo o site todos os dias. Dentro em breve haverá um novo site, e nele os chats funcionarão à contento; e, quem sabe, você também não fará grandes amigos. Aliás, por que você não começa logo, freqüentando o Forum aqui do site? Lá você encontrará um monte de gente boa de Deus.


Recomendo a você, enquanto isto, a leitura do livro “A Trilha Menos Percorrida”, de Scott Peck, o qual você achará em francês também. Busque pelo autor e você achará o livro.

Receba meu carinho e abraço, bem como minhas orações no sentido de que sua atual solidão dê lugar à solitude criativa e contente, até que chegue o seu Siló; ou seja: o seu enviado pelos ventos do mistério!


Nele, que cuida de nós e não nos deixa sós, nem na França,


Caio