SOU CASADO E SOFRO DE PAIXÕES PLATÔNICAS I e II

Caio, Tenho seu livro “Confissões de um Pastor” onde você conta a vida e torna público o seu testemunho. Como Deus lhe conduziu até onde estava na época. Depois disso muita coisa aconteceu e tempestades lhe sobrevieram… Hoje lhe escrevo em meio a uma tempestade. Não me importo se você não responder. Escrever o que irei escrever já será para mim por demais terapeutico. Talvez precise de análise, não sei. O fato é que não compreendo meu modo de agir, pois ajo contra mim mesmo! Conspiro contra minha própria felicidade e nem remorsos tenho mais! Sou filho de evangélicos, nascido em lar cristão. Nele cresci cheio de pulsões controladas a base de muita masturbação e pornografia. Esse vício levei para o casamento, com um agravante adicional: o hábito de me apaixonar vez em quando por outras mulheres. Paixões platônicas, sem casos ou traições carnais (só no pensamento), mas que minaram meu relacionamento, até ao ponto da minha esposa me dar um ultimato nesses dias. Ela me diz que eu não a amo! Tem razão? É isso que quero descobrir! Me parece por demais óbvio que há algo errado… Jogar fora tanto amor, carinho, dois filhos lindos, 9 anos de casamento assim, por uma aventura que talvez nunca venha a se realizar!? Pela simples falta de controle do desejo!? Sim, é um desejo que cabe a mim dominar com o auxilio do Espírito, mas que gostaria que nunca existisse, que não estivesse ali para ser dominado. Nisso concordo com a minha esposa, cuja perspicácia me impressiona… Eu mesmo inconscientemente me nego a viver uma farsa e dou a ela todos os tipos de bandeira como se propositadamente declarasse a ela que não estou feliz com a relação. O problema são os motivos. Não os tenho. Minha mulher é perfeita e tem se tornado cada vez mais com o passar do tempo. Ela é a tipificação da bíblica mulher virtuosa. Como não ser apaixonado por ela? Quem não seria? É isso que não entendo! Como posso ser absolutamente louco pela minha esposa e em um outro momento indiferente para com o seu amor? Ela me diz que eu apenas amo a mãe dos meus filhos, mas eu sei que também a desejo como mulher, admiro e a adoro como parceira, companheira, e amor. Ela reclama de falta de romantismo, das rosas que dei e não dou mais, das músicas que não fiz (toco e componho, embora esteja numa fase de estagnação produtiva); e eu fico pensando se um coração apaixonado não se derramaria em paixão e melodias ao seu amor. Ela me diz que o problema não é que ela não me queira e sim que eu não a quero; e, logicamente, ela não me quer dessa forma, com toda razão. Não tenho dormido direito, e esta carta escrevo sob forte sono. Mas devo continuar. Existe esperança para mim? Um dia me entenderei? Um dia deixarei de ser burro e me tornarei o homem que minha mulher merece? Ou me reconhecerei como um crápula entre as paixões da carne que não consegui frear, e entreguei-me a satisfaze-las nas fantasias pervertidas e pecaminosas de minha mente? Como um drogado, sempre experimentando novas doses de erro, cavando cada vez mais fundo minha própria cova?! Quem me fez assim? Eu mesmo, minha família, Deus? Vou parar por aqui, por enquanto. Se quiser lhe detalho o que fiz. Vou a procura de um analista. Quem sabe ele me entenda? Abraços ________________________________________________________ Resposta: Meu amigo querido: Graça e Paz! Sinceramente creio que duas coisas podem estar acontecendo. A primeira: Pode ser que você a ame, e, em razão da criação reprimida, tenha desenvolvido a idéia de que se casou com a “única alternativa”, sem ter si dado a chance de saber como seriam as outras alternativas femininas. Ora, isto é comum acontecer até com homens que já tiveram outras mulheres, e muito mais ainda com quem julga que casou “no escuro”. Neste caso, você ama a sua mulher, mas, como você mesmo disse, se “auto-boicota”, sempre tratando-a, inconscientemente, como uma espécie de “step” feminino, visto que você julga que as “tala-largas” você nunca conheceu… ou seja: nunca rodou com pneu largo e bom de curva. No entanto, essa sim pode ser a grande fantasia de sua mente; e não é raro que assim aconteça. A segunda: Pode ser que você não a ame como mulher, mas apenas como um grande ser humano, como a mulher impecável, a virtuosa de Provérbios 31. No entanto, o coração não entra em concursos de virtudes, e, quando a gente o força a entrar, sem que ele mesmo tenha escolhido, o fim é sempre trágico, especialmente para o virtuoso, que não pode entender como, sendo tão bom, não é amado; e, para aquele que deveria amar, a dor é outra, posto que ele se julga um crápula por não amar quem não deveria jamais não ser amado. É quando não amar, diante de tantas vantagens e virtudes, parece algo ilógico e perverso. Todavia, tais categorias de julgamento não são conhecidas pelo coração nem quando se trata de amar amigos, quanto mais quando se trata de amar uma mulher, em cujo processo há muito mais coisa envolvida que apenas um encontro matemático de virtudes. É obvio que não é fácil discernir esses sentimentos. Para uma mulher é bem mais fácil que para um homem. Os homens, em geral, pensam com duas cabeças, sendo que a de cima reflete e a de baixo apenas reage. E quando a reação é maior que a reflexão, então, se instala o conflito que você hoje conhece muito bem. Pessoalmente, eu creio que quando um homem ama uma mulher, em certas circunstancias, ele também pode se sentir também atraído sexualmente por outras mulheres, mas não experimenta isso como “paixão”, mas apenas como tesão e desejo. O fato de você se “apaixonar platonicamente” pode significar que sua alma nunca experimentou tal sentimento, e clama pedindo tal conhecimento. E como você nunca provou isto no casamento, então, certamente, a válvula de saída da energia psíquica acumulada é a fantasia da paixão platônica. A sua afirmação de que a sua mulher reclama que você ama a mãe dos filhos (ela), mas não a mulher (ela também), bem expressa o que ela sente. Ou seja: quanto ao pai e companheiro, ela não tem dúvidas. Mas quanto ao macho, ela tem todas as dúvidas. E, provavelmente, porque você não expresse desejo continuo por ela; e, sem dúvida, toda mulher sabe e sente quando é ou não desejada. E mais: a resposta da mulher é proporcional ao desejo do homem, de tal modo que a mulher mais apaixonada é sempre aquela que é mais desejada, e que vê nos olhos do homem a sua própria beleza refletida como brilho encantado e voluptuoso. Enquanto você descobre o que é que está acontecendo, sugiro que você pare de se tratar como um crápula. Crápulas não têm as crises que você experimenta. O que não entendi foi como ela veio a ter as informações de natureza subjetiva que você narrou. Você contou a ela que se apaixona platonicamente por outras mulheres? Se fez isso, sinto lhe informar, mas você fez a coisa errada. Nenhum homem, nem sob o pretexto de dizer a verdade, deveria, jamais, dizer tal coisa à sua mulher; e isso mesmo que fosse para terminar a relação. Humilha muito, e não realiza nada além de muito ressentimento! Outro dia alguém me contou de um pastor que se apaixonou e desejou ardentemente a mulher de outro pastor, e, depois de anos de desejos reprimidos, decidiu procurar a mulher desejada (esposa do colega), e pedir perdão a ela por deseja-la tanto. E não satisfeito, foi à frente da igreja e disse que passara os últimos tempos cheio de desejos lascivos por uma “irmãzinha da igreja”. Ora, o estrago foi grande. Primeiro porque a mulher dele ficou gelada e decepcionada. Segundo porque o colega, o marido da mulher desejada, ficou com ódio. E terceiro, porque a própria, que de nada sabia, e que nada queria, ficou chocada e sem espontaneidade para com o “confessor apaixonado”. Ora, em geral, quando um homem diz a uma mulher que a deseja, e o faz no contexto de igreja, ou ele o diz a fim de ver se a outra parte diz “Eu também… sinto muito… sei que é pecado… mas sempre desejei você também” (é a típica cantada do culpado e pudico!); e, nesse caso, o resultado é, quase sempre, a entrega de ambos a um “caso tórrido”, nem sempre tendo continuidade; ou, então, é apenas para ver se pela confissão o cara se descobre, e fica livre do ambiente secreto no qual tais desejos crescem. No entanto, a alma é tão ambígua, que mesmo quando esse é o caso, o sujeito fala também alimentando a possibilidade de que a mulher diga: “Me ajude! Eu também sinto a mesma coisa!” Ou seja: tais confissões têm aparência de humildade e sabedoria, mas não têm nenhum valor contra a sensualidade! No seu caso, o que houve? Você contou a ela (sua esposa) ou contou a outra pessoa, quem sabe uma das paixões platônicas? Me escreva! Estou orando por você! Tudo isso vai acabar bem, na Graça de Deus! Nele, Caio ________________________________________________________ Querido Pastor, Entre as possibilidades de explicação sugeridas por você fico com a primeira. Isto por que acredito firmemente que amo a minha mulher. Digo isso por que a desejo muito, a quero do meu lado sempre, a admiro não como apenas mãe, mas como mulher e a respeito como tal. Isso, no entanto, foi construído ao longo do tempo; portanto, é possível que, embora apaixonado por ela, tenha buscado em outras mulheres aquilo que entendia que nela me faltava. Explico: todas as mulheres pelas quais me atraí eram colegas de trabalho independentes financeiramente. Minha mulher escolheu ao longo dos anos sempre abrir mão da realização profissional, um pouco até por não saber exatamente o que queria, em prol das minhas mudanças de emprego (e cidade) e as gestações dos dois filhos que temos. Hoje, embora ainda dependente financeiramente, ela está mais madura e encontrou no artesanato um caminho profissional que tenho certeza é promissor; dado que tem todo o jeito para a coisa. Os comentários dela sobre mim devem-se ao inconformismo com as minhas atitudes. Como ela descobriu meus sentimentos, simplesmente eu os expus, por não conseguir escondê-los mais. Ao longo dos anos ela desenvolveu uma capacidade incrível de me ler, que duvido que o mais experiente psicólogo consiga equipará-la. No entanto, meu grande erro foi exatamente esse; ao invés de procurar ajuda, fiz da minha mulher a minha confessora, ou terapeuta. Tentei ser honesto, só que para a pessoa errada. A magoei muito e agora luto para cicatrizar as feridas da sua alma. Quando falo em paixões platônicas e estou me referindo a desejos e fantasias não realizadas. Ou seja: nunca traí minha mulher fisicamente, mas mentalmente me fantasiei transando com minhas colegas. Assim, sou um adúltero segundo Mateus 5, mas não segundo a Lei. Por que faço isso? Tenho algumas explicações que me vieram recentemente, fruto de sessões de análise que temos feito, mesmo em férias… Quando escrevi o e-mail estava sozinho e tinha confessado a ela, por telefone, minha última escorregadela. Tinha ido a uma festa da empresa, batido o carro, e após, tinha tido fantasias com uma colega. Burrice? Pode ser. Na realidade estava completamente despreparado para a situação. Me incomoda a dubiedade… Me senti pressionado a confessar meus erros… só que novamente para a pessoa errada. Foi a gota d’água e aí vi meu casamento desmoronar. Sinto que durante estes anos, tirando a questão da expectativa de independência da minha mulher, vez por outra sentia a necessidade de isolamento ou afastamento intimo, explicada no capítulo 6 do livro “Homens são de Marte e Mulheres de Vênus”… Algo como elasticidade do homem. Aprendi duas formas de ir para a caverna na minha vida: ou o isolamento, que quase nunca é possível; ou a fantasia, seja ela movida pela pornografia ou a masturbação, usando situações proibidas normalmente com conhecidas. A segunda forma de fantasia é a menos freqüente, mas a que mais estragos fez. Sei que o fato de não ter contado a minha mulher da festa foi uma forma de provar dessa independência. Sei que não fiz nada na festa; portanto, não utilizei da liberdade para dar vazão ao pecado. No entanto, após a festa, no recôndito do meu quarto a fantasia com o que não fiz foi inevitável. Hoje estamos freqüentando um terapeuta, também pastor, que nos tem ajudado muito. Ele faz coro com você ao apontar a minha inabilidade de guardar segredo das minhas contradições e trata-las sem envolvê-la diretamente. Estou tentando reconquistá-la, pois, apesar de detestar o que fiz, me vejo ao lado dela, pois a amo muito. Alem disso, depois de tudo isso, recomeçar do zero com outra pessoa seria uma opção dolorosa demais, afetaria duas crianças, duas famílias, e apagaria uma chama que fumega, e que apesar de tudo pode ser re-acesa. Abraços ________________________________________________ Resposta: Meu amigo querido: Graça e Paz! Não tenha a ilusão de que um novo casamento poderia resolver os seus problemas. Não! Provavelmente apenas o agravaria, pois, então, você saberia que não se trata trocar de esposa, mas sim de tratar o coração. Na realidade a sua situação nada tem a ver com a sua esposa, mas apenas com você mesmo. Sua alma é infantil, pois é na infância que as fantasias são mais importantes que a realidade. Minha carta anterior elencou várias possibilidades, e você conseguiu se identificar com uma delas. Sendo simples e prático, eu diria o seguinte: 1. Conforme um padrão infantil você fantasia acerca das mulheres que não pode ter. É assim com as crianças-adolescentes. Esse é o padrão. 2. Conforme um padrão infantil você se abre com a “sua mãe”. Sim, sua mulher entra nessa história como uma santa conselheira. E pobre dela se tiver que cumprir tal papel. Sem falar que o casamento de vocês acabará se esse for o caminho. O desconforto que você sente vem das comparações que você faz entre a sua mulher e as “demais” mulheres…—que passam a ser “de-mais” como mulheres—, visto que não existem, pois, não passam de idealizações. Quem pode competir com uma fantasia? Ora, na fantasia cabe tudo! Além disso, você está muito confuso com as coisas de Deus também. Você disse que peca segundo Mateus 5, e não conforme a Lei. Ora, em Mateus 5 tem-se a inescapabilidade da Lei, com seu aplicativo feito nas dimensões da subjetividade. No entanto, esse não é o problema. Sim! Não é problema para Deus, pois, para Ele, tudo está Consumado. O problema é problema para você, que, de um lado, sofre por se sentir em transgressão em razão das fantasias e outras coisas; e, de outro lado, sofre por comparar sua esposa às musas irreais. Suas colegas de trabalho são boas para fantasia e até para uma aventura. No entanto, você provavelmente não as suportaria na vida. Assim, todo o seu conflito está em pensar que sexo é a vida. Ora, sexo é importante, mas não é a vida. Vejo que boa parte das angustias existentes nas almas cristãs vêm do “romantismo” em relação ao significado de boas transadas. E por quê? Na realidade, quem nunca se deu a chance de saber quem é e do que gosta na fase juvenil, inevitavelmente acaba por desenvolver, na idade adulta, a especulação maligna que trabalha com o “se”… “Se”… eu tivesse outra mulher… “Se”… eu tivesse tido mais experiências… “Se”… eu fosse livre para ficar com quem desejasse… E tudo isso vem do “romantismo novelesco” acerca do significado hipertrofiado do papel do sexo na realização da vida e da felicidade. Se sexo bom fosse a garantia de felicidade e estabilidade conjugal, certos “ases da sexualidade”—e que por vezes de casam entre si—, não se separariam; posto que entre eles não falta experiência, dês-inibição sexual, pratica sexual intensa, etc… No entanto, eles se separam por falta de “encontro”… e encontro num nível mais profundo. Ironicamente isso você tem! E só não tem juntamente com isso o sexo que você deseja apenas porque põe a sua mulher num estado permanente de “comparação e disputa”, ainda que ela não saiba a informação da extensão de sua agonia; porém nem por causa disso ela deixa de sentir… A infelicidade de sua mulher está mais que explicada! Ora, nesta vida a gente bebe a água que a gente mesmo usa, e, muitas vezes, suja. Assim, mesmo que sua mulher nada saiba, ele, todavia, sente… E, agora, ela também sabe. Por isso o sofrimento dela é inevitável. Na realidade ela só parará de sofrer quando sentir que você está inteiro do lado dela, em carne osso, e sem fantasias fazendo concorrência. Mulheres sentem tudo! Você pode nunca ter ido para a cama com ninguém, mas a sua energia é essa; e, saiba: sua mulher sente e sofre! Se você quiser se ajudar e ajudar seu casamento, peça a Deus para não deixar você entregue à sua própria disposição mental. No entanto, a disposição mental é vício, é habito da alma, é droga existencial. Portanto, demanda esforço e energia enfrentar tais padrões de pensamento e emoção. Mas é possível vencer essa batalha. Fantasia a gente enfrenta com realidade! Fantasie na realidade de seu casamento e com sua própria mulher, pois, caso você continue entregue ao infantilismo das fantasias, sua alma sofrerá, e sua mulher sentirá tudo… Às vezes a alma é tomada por amores incontroláveis. No entanto, a maioria de tais amores acaba por se converter em doença, posto que o amor sadio é feito de decisões no dia a dia da existência. Nesse sentido da saúde do amor, sem dúvida que se pode dizer que ele é uma escolha. Isso quando existe aquilo que você disse existir no seu amor e no seu casamento. Você tem que saber que seu problema é de vício mental, e você precisa tratá-lo como tal. Pense no que lhe falei e me dê retorno. Nele, que sabe o que há em nós, Caio