Tenho escolhas, que problema!
—–Original Message—–
From: Amigo Indeciso
Sent: segunda-feira, 1 de setembro de 2003
To: [email protected]
Subject: Não sei o que fazer…
Mensagem:
Prezado Pastor,
A primeira vez que o ouvi foi no antigo Hotel Nacional, há alguns anos; e desde lá o tenho acompanhado.
Também tive o privilégio de ter participado do congresso da Vinde em 1997.
Tenho alguns de seus livros, inclusive o de suas Confissões, que de fato me comoveram bastante.
Agora quando posso, leio o site; e também o ouço, como ontem na Catedral Presbiteriana.
Lá estive presente.
Tenho 35 anos, sou casado e tenho um filho de 3 anos. Trabalho em uma empresa aeronáutica, e sou formado em Direito, com uma especialização em Teologia.
Pastor Caio, esta minha apresentação é somente para poder abrir um pouco meu coração para um constante questionamento em minha vida, e que gostaria se possível for de abrir com você.
Sempre fui uma pessoa com muita dificuldade em saber escolher o que gostaria de fazer na vida, e tudo até então vem acontecendo sem que eu mesmo fizesse as escolhas com convicção; porém vivo-as com muita alegria e dedicação.
Resumindo: meu problema continua sempre sendo se me aperfeiçôo em Direito, em Teologia, ou se escolho outro curso para fazer…etc.
Sou uma pessoa muita indecisa e isto tem me incomodado muito, apesar de exercer uma função de líder, sem ter cargos, e estar sempre motivando as pessoas…
Às vezes, me sinto angustiado com esta minha “tão forte fragilidade”.
Bem, sei que só depende de mim e tenho que fazer alguma coisa para mudar este quadro; ou então, vou viver assim por resto de minha vida.
Porém gostaria de lhe ouvir sobre isto, mesmo sendo tão egoísta nesta minha solicitação—há tantos outros com problemas maiores—, mas se você puder, agradeço de coração; não podendo, também continuarei admirando-o, e pedindo a Deus que o abençoe muito neste seu marcante e vivo ministério.
Em Cristo.
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Resposta:
Querido amigo: Paz!
Você tem o problema que a maioria dos seres humanos gostaria de ter: opções de escolha.
Há bilhões de seres humanos que vivem sem escolha.
Foram acometidos por situações congênitas. E congênito não é apenas aquilo que nos marca como sendo derivado do gene, mas também da genealogia: de quem se descende, o que determina onde nascemos, e que implica no confinamento dentro de uma determinada etnia, cultura, sexo, situação social e econômica, etc…
De fato, nossas escolhas já acontecem dentro das determinações maiores que nos “acolheram”, tanto para o bem quanto para o mal.
Dentro desses elementos e dessas divisórias invisíveis que emolduram a existência de cada um de nós, é que acontece a maior parte das nossas escolhas.
Exemplo: posso não gostar de meus pais, mas não posso deixar de ser filho deles; posso odiar o Amazonas, mas nunca poderei deixar de ser amazonense—nem que eu optasse pela cidadania chilena.
Nesse caso, eu teria documentos de cidadania chilena, mas teria ainda o DNA de Caio e Lacy, nascido em Manaus.
É a tentativa de escolher para além do possível aquilo que faz surgir um crioulo-branco, de nariz artificialmente afinado, e alma perdida em um labirinto de não identidade, onde, possivelmente se esconda a nesga do ser humano que conhecemos com o nome fantasia de Michael Jackson.
Tenho quatro filhos. Um deles é adotado. É meu filho, mas não fui eu quem gerou.
Eu escolhi adotar.
Mas o filho teve que escolher assumir a adoção.
Assim como há filhos gerados que nunca conseguem assumir que foram “paridos” pelo casal que os concebeu.
Portanto, há realidades e há “escolhas” dentro de tais realidades.
Meu filho mais velho sempre foi um menino de mil possibilidades intelectuais. Nasceu dotado de extrema facilidade para aprender qualquer coisa. Em tese ele pode andar em qualquer direção.
Esse era o problema dele: as muitas alternativas.
Passou no vestibular com os pés nas costas e foi fazer economia com bolsa integral. Depois começou a ganhar um salário para não parar de estudar—isso tudo com o custeio da universidade.
Estava certo que ele terminaria o curso entre os dois ou três primeiros, na pior das hipóteses, e iria fazer mestrado e doutorado no exterior, e voltar para dar aula na universidade.
No final do terceiro ano ele me apareceu dizendo que havia “trancado a matricula”.
Levei um susto.
Quis saber a razão.
A resposta dele foi a seguinte:
Pai, você me ensinou que a gente tem que fazer aquilo que a gente ama, aquilo que se a gente não fizer, a gente vai ser infeliz. Você poderia fazer muitas coisas de sua vida. Mas você pode se imaginar não pregando e fazendo o que você faz? Eu posso fazer muita coisa. Tudo é fácil. Deus me deu a possibilidade de aprender quase tudo. Mas não me deu a capacidade de amar tudo o que eu posso aprender. E o pior: não me deu nem a capacidade de amar aquilo que eu faço melhor…
Eu já estava pra morrer de curiosidade…
O que seria essa tal coisa?
Ele concluiu:
Quero viver da música. Eu poderia ensinar qualquer coisa que eu aprendesse, mas eu só seria feliz fazendo o que eu amo. E vou ter que me esforçar muito na música, porque a música não é um dom inato em mim. Mas o amor pela música está presente em mim mais forte do que qualquer outro amor.
Bem, isso já vai fazer oito anos.
Ele hoje canta no coro do Teatro Municipal e dá aulas de música.
Quando uma pessoa tem muitas capacitações e se norteia pela curiosidade do saber, acaba virando um indeciso estudante profissional.
Se eu fosse você incluiria a Teologia e ou o Direito no hall das coisas que eu gosto. Mas me aplicaria de coração somente a alguma coisa que me desse muita alegria de realizar.
Pode também ser que você nunca encontre essa “coisa” no âmbito profissional.
A maioria das pessoas “têm” que trabalhar no que não gostam a fim de financiarem a alegria de fazer aquilo que gostam.
Felizes os que podem conciliar, e tiram do seu próprio trabalho a alegria de também viver.
A nossa sociedade também impõe muitas tiranias.
Há muita gente fazendo não apenas o que não gosta, mas também o que não precisaria, apenas para atender a determinadas demandas que são impostas sabe lá por quem!
Medite no encontro de Jesus com Marta e Maria, em Lucas 10.
Marta, Marta, andas agitada e te preocupas com muitas coisas…pouco é necessário…ou mesmo, um só coisa…
Muito não é necessário.
Pouco é necessário—no que tange a existência na terra.
Uma só coisa é necessária—no que concerne ao sentido da vida.
O resto é tirania humana.
Se você pode crescer, e se há oportunidade, aproveite.
Mas não ande ansioso.
A Síndrome de Marta é bastante comum, e a maioria das pessoas anda de um lado para outro sem nem mesmo saber o por quê.
Se seu dom é fazer gol, mas num recuo de seu time você acabou disputando a bola com ao atacante do time adversário, impeça o gol. Mas não fique na defesa por que você não irá produzir muito. Seu dom é fazer gol, não defender.
Há goleiros vocacionados, e há goleiros que estão no gol apenas porque foi o mais perto que conseguiram chegar do lugar do jogo: são torcedores privilegiados. Mas se pudessem, estariam em outro lugar dentro do campo.
Só mais uma coisa: veja se esse comichão não é fruto de alguma cobrança familiar—um certo paradigma que foi estabelecido como tirania da família…
Há muita gente que vive correndo atrás de um script que não é delas; e, há também aqueles que ficam atacados por insatisfação crônica apenas porque não sabem o que é, mas caíram na cilada de saber o que não é, apenas porque há alguns que nunca deixam o cara ficar em paz com o que escolheu.
Bem olhando por esse aspecto, você terá um significativo dever de casa para fazer: examinar todas essas variáveis e saber “qual é a sua”.
Um beijão,
Caio