TODO CORAÇÃO TEM SEU ABRAÃO – do Marcelo para o Caio
Data: Sun, 15 Mar 2009 09:46:58 -0300
De: “marcelo quintela”
Para: [email protected]
Assunto: TODO CORAÇÃO TEM SEU ABRAÃO
MINHAS REFERÊNCIAS
Eu não amo o passado, o tempo que não vivi. Minhas referências literárias e culturais me são contemporâneas, e hoje, percebo que foram o caldo que forjou minha identidade, “consciência e juventude”.
Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo
Drummond de Andrade
Quando eu era menino, li Drummond.
Quase tudo.
Admirava-me a forma: Nem métrica nem rima – o verso livre!
Admirava-me o texto: existencial para além da própria poesia.
Não fui eu quem escolheu o mineiro. Aconteceu. Li a MORTE DO LEITEIRO e nunca mais parei…
Eu era muito caseiro.
***
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
Chegou a adolescência e adotei os “sons e tons” da minha própria geração.
Daí eu já não queria ler, queria ouvir… E cantar sob o calor da fogueira, nos ritos da sexualidade.
Era o rock nacional; pós-Raul…
E eu podia escolher. De Engenheiros a Barões; de Titãs a Legiões!
Dado à melancolia e carregado de um misto de realismo com a ufania própria da idade,
Eu fiquei com Renato. Russeau do meu tempo.
Não fui eu quem escolheu a banda brasiliense. Ouvi NEM FOI TEMPO PERDIDO e nunca mais parei…
Eu saí à rua.
***
Não sou escravo de ninguém
Ninguém, senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
E, por valor eu tenho
E temo o que agora se desfaz
Na Adolescência sobrou pouco de mim em mim.
Então, já não queria ler e nem ouvir, eu queria juntar os pedaços que deixei por aí.
Vieram-me às mãos os escritos de Caio Fábio um ex-desintegrado!
“Seguir Jesus”… Tornou-se para mim… “o mais fascinante projeto de vida”!
Eu nem pude escolher o evangelista amazonense. Nem pude ler outros. Nem quis ler outros. O reverendo tinha poesia e denúncia, e na voz, algo novo para mim: Esperança!… Tanta!
Então, li tudo (sem deixar de vagar pelo mundo mais lúdico do velho poeta desinteressado pela vida e do compositor enfastiado dela tão cedo. Sim, mantive por perto tanto o poeta como o músico; pois a literatura caiofabiana nunca se pretendeu literatura. Era utilitária e instrucional, com “exceções generalizadas”; lembro-me de uma que devorei às lágrimas: Era MAIS QUE UM SONHO).
Sim, as antigas referências se mantiveram como recordação da minha desagregação. E creiam-me: “Faz parte ainda do que me faz forte…”.
Já os estudos do pastor protestante iam muito para além do protesto e do decifrar das Escrituras: Ecoavam letra & som da Eternidade.
Neles, fui apresentado ao Autor e Consumador da minha Fé, e pela primeira vez na vida, senti-me íntegro e agregado, devolvido.
Mas não fui eu quem escolheu o Moço Nazareno feito Deus.
Ou Quem inventou o amor?
Ele que me escolheu para ser sempre Seu!
***
Viajamos sete léguas
Por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais.
Passei a juventude clamando à Juventude que O conhecessem: Jesus de todas as gerações!
Mas eu vejo tudo que se foi e o que não existe mais
Nosso “reino” se corrompeu, numa Universal adesão à Mamon.
Tá tudo assim… tão diferente!
Então, perdi a minha sela, minha espada e meu castelo!
Fiquei sozinho. E no meio do Caminho uma pedra maior que um sonho!
Meus três mocinhos já haviam morrido.
Ai.
Os bons morrem antes… Sempre cedo demais.
As Estações, então, mudaram de vez,
E eu voltei para casa.
***
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
Ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
Garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
(…)
É feia. Mas é realmente uma flor.
Drummond
De tanto falar em Vida, meu pastor ressuscitou!
Com o braço posto para fora dos escombros, meu Pai o agarrou!
Daí voltou do deserto com a boca cheia de Evangelho,
Agora ele é o Caio. Só Caio, o velho!
E eu?
Eu vou seguindo o Sol. Com a luz do seu calor faço a solda entre os mundos!
Eu voltei para rua.
Elias está nas ruas.
O Caminho está nas ruas.
***
Teremos coisas bonitas pra contar.
E hoje?
Hoje, eu não faço poesia e nem música.
Não sei escrever.
Não sei cantar.
Eu prego.
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
(…)
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
(…)
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
E a eles eu grito:
Quando o Sol bater na janela do seu quarto, lembra e vê que o Caminho
(…) ainda é UM só!
***
Você pode me entender?
***
A tempo: Cada um será alcançado e N’Ele encontrado pela fundição entre o Eterno/denso e etéreo/rarefeito em si mesmo!
Sendo assim, não há tempo perdido debaixo do Sol.
E aos que me julgam cheio de humanidade tosca (meu filósofo é desse tempo e morreu de AIDS, meu poeta é brasileiro e morreu faz pouco, e meu profeta ainda está vivo), saibam de uma vez, tudo é pior do que pensais:
Toda mente é uma Legião!
Toda geração tem seu Estevão!
Todo coração (…) seu Abraão.
Ao Caio, meu pai na fé, na esperança, na história em seu aniversário de 54 anos.
Marcelo Quintela
Santos/SP
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Resposta:
Marcelo meu filho amado do coração,
Sua carta aos Mentores é tudo o que vejo de você para comigo na prática, no amor, na reverencia, na filiação espiritual sem fingimento, na coragem de assumir, de botar a cara sem medo, sem questão, sem dúvidas, sem “mas e sem porém”, apenas porque o seu coração se encheu de Deus, do Evangelho e do amor que paga a vida com amor.
É por causa de você, sobretudo de você, que tenho muita paz em relação ao caminhar do Caminho da Graça, comigo aqui ou sem mim.
Você, meu filho, juntamente com o Carlos, velho amigo, da minha mana, Ana, do Chico, e de vários outros, sem falar na minha mulher Adriana, que sabe tudo o que penso — são a minha alegria e descanso quanto a estar ou não estar; pois, no dia em que o Senhor achar que quer me curtir com beijinhos eternos, irei de boca aberta e babando de amor pela glória de Deus, ao mesmo tempo em que saberei que aqui, com vocês, estará tudo bem.
Mas digo isto apenas porque ninguém é imortal, e sei de minha própria fraqueza. No entanto, pode ser que por uma grande ironia o Senhor me deixe aqui muito mais do que eu jamais imaginei. Rsrsrs!
Sempre achei que, por razões inexplicáveis antes, e, depois, em razão dos excessos dos trabalhos na minha vida, que bem cedo eu partiria. Na realidade nunca pensei que chegaria nem mesmo aos 54 anos.
Assim, psicologicamente, em relação ao meu tempo…, estou livre, no lucro, no gozo, na liberdade de ser sem razão alguma para não ser.
Minha oração é que nem vida, nem morte, nem coisas do presente e nem do futuro, nem anjos, nem óvnis, nem altura, nem profundidade, nem Etês mundanos e nem de qualquer outra dimensão, jamais arranquem de seu coração a força, a proteção e a exultação do amor de Jesus em seu ser.
Filho, sua carta me deu oxigênio, assim como sua vida tem sido um tanque de ar fresco e puro para mim.
Como é bom e grato ver a maturidade presente em sua juventude de homem que não vive nem nas férias como menino.
Amo você, a Rê e todos os seus filhos, os seus pais, manos e amigos.
Beijos nos manos da Estação Santos.
Nele, que é nosso Ar de Vida e de Amor Eterno,
Caio
17 de março de 2009
Lago Norte
Brasília
DF