—– Original Message —–
From: UM CAMINHO FEITO DE GENTE: identificação!
To: [email protected]
Sent: Monday, March 27, 2006 6:48 PM
Subject: Identificação no Caminho
Graça e paz, pr. Caio,
Depois que descobri seu site, não consigo mais ficar sem ler todos os dias suas mensagens e respostas de cartas que ajudam nas minhas questões pessoais, e ainda ajudam a gente (a quem lê) se humanizar e se ver semelhante a todo ser humano.
Felizmente estou longe da idolatria que “pega” muita gente quando se apega a alguém que lhe faz cafuné na alma.
Como tem ovelha satisfazendo ego de pastor por aí!
Que Deus o livre!
Oro para que o sr. continue sendo pastor de almas. Senti-me encorajada a escrever-lhe, depois de muita relutância, ao perceber a ternura com que atende as pessoas que visivelmente estão machucadas, clamando por socorro, entre as setas inflamadas do inimigo invisível e o chicote da culpa assumida que, visivelmente, atormenta as consciências, por não faltarem acusadores (até mesmo a própria consciência).
Ouso aqui expressar meus sentimentos, que tive depois do encontro das Estações em Brasília; sentimentos aos quais chamo de “Identificação”:
Mesmo que quando somos quebrados e feitos de novo, continuamos de barro e todos da mesma argila (Já vi algo seu escrito nesse sentido). Assim, de Força em Força, de Fé em Fé, de Fraqueza em Fraqueza, nos identificamos.
Acredito que o sr. já se identificou com Jó, com Jonas, Jeremias, João… Jesus. E ainda, com Pedro, Paulo e com tantos outros Pescadores, Pregadores e Pecadores…! (as consoantes iniciais são meras coincidências, rsrsrs).
O Caminho da Graça parece um sonho meu que Deus está realizando com homens valentes e destemidos como vi aí em Brasília.
Não me sinto tão mal, porque vejo tantas pessoas que, como eu, estão cheias de dúvidas e inseguranças…; mas tudo o que eu desejaria era re-começar… Como Lutero, que se retornassem à Palavra…
Vejo o Caminho da Graça acolhedor das gentes que, sem perder a identidade, perderam-se no in-conformismo que gera dor e sofrimento. O Caminho é como o rio que se renova a cada movimento, a cada ação do vento. E o vento sopra aonde quer. No Caminho nunca se está sozinho. No caminho de Emaús os dois discípulos desolados caminhavam solitários até que Jesus lhes fez companhia. Com Ele algo novo acontece, brota um ardor de alegria no coração, gera uma nova disposição que faz ir em direção aos outros semelhantes nas diferenças. No Caminho vão todos à mesma direção, incluem-se e se solidarizam. Não há espaço para partidos e facções, pois, todos têm o mesmo espírito, uma só fé, um só Senhor.
Esse é o ponto diferencial, ideal ou real?
Porque não é a pregação que está de todo errada na igreja, mas é a prática do que se prega.
O amor sofre o processo de esfriamento a partir do púlpito que, paradoxalmente, como cera derretida, a gota cai congelada.
Já não é a ovelha desgarrada que bale sozinha, mas as ovelhas encurraladas gemem de solidão na indiferença, na falta de comu-nhão . As ovelhas precisam encontrar águas tranqüilas no Caminho e pastagens verdes porque estão morrendo de inanição.
Que a Palavra de Deus, pela sua instrumentalidade, inteligência e ousadia, seja cada vez mais o alimento vital de muitas almas famintas e carentes. Esta é a minha oração.
Já lhe mandei um poema, não sei se o sr. viu. Vou ficar muito feliz se receber pelo menos uma palavra sua de que viu esta carta. Abraços ao sr. e Adriana.
Que Deus os sustente e guarde.
Com muito amor,
Antônia
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Minha querida Antônia: Graça, Paz e Alegria no Espírito Santo!
Sim, já houve tempo em que o problema na “igreja” era ‘apenas’ o de que o discurso de “amor cristão” não combinava com a prática eclesiástica. Entretanto, esse tempo passou para cerca de 97% das “igrejas”do Brasil já faz tempo.
Hoje nem o discurso hipócrita de amor cristão existe mais. A coisa toda virou guerra, conquista, poder, domínio, espírito de controle e dominação explícitos; e muitas outras perversãoes, que vão da mensagem (a qual anda moribinda na boca da “igreja”) à toda sorte de manifestações pagãs. O que transforma a “igreja”, como ela se tornou hoje, em algo tão ou mais pagão do que o que havia nos dias de Lutero, conforme sua alusão.
O que nós temos hoje tem na “igreja universal” o motor de algo que carrega, em maior o menor medida, o mesmo “espírito”. Sim, ainda em 1994 eu vi que a “igreja”, na prática, havia escolhido o modelo pagão da “universal”, abandonando de vez qualquer sonho que pudesse ser dignamente evangélico em relação a ser relativo ao Evangelho.
Daquele tempo em diante minha angustia pessoal era descobrir como sair “daquilo”. Sim, de fato e de verdade, eu não queria mais ser parte daquilo de modo algum, mas não sabia o quê e nem como fazer.
Hoje seu sei que tudo o que aconteceu (conquanto seja responsabilidade minha em tudo quanto me disse respeito), teve a mão poderosa de Deus. Sim, hoje eu sei que “aquele mal veio da parte do Senhor”.
As dezenas de sonhos-visões que Deus me deu entre 1997 e 2000, todos falavam do mesmo tema, e estavam carregados da mesma mensagem: “Esse mal vem da parte do Senhor”.
O difícil no meio da confusão ainda em curso era saber que bem pode estar oculto em tal mal que vinha do Senhor!
Entretanto, o tempo, o vento, o sopro, o toque, o balançar, o mover, o agir sutil e poderoso de Deus, vai trabalhando em todas as coisas; e, sem que se perceba, Ele mesmo começa a chamar à existência coisas que a gente já nem crê mais que ainda possam ser possíveis.
Desde jovem que minha atenção foi chamada para a expressão “os do Caminho”, referindo-se ao discípulos; e “este Caminho”, referindo-se ao Evangelho; as quais acontecem no livro dos Atos dos Apóstolos; quase sempre em alusão a algo referente a Paulo.
Todavia, depois de um tempo, gradualmente, em minha mente foi se formando a idéia de que o termo “igreja” perdera seu significado original, e, pelo uso milenarmente pervertido, a expressão já não era mais útil para designar a jornada individual e comunitária dos discipulos de Jesus.
De fato, a idéia de “igreja” ficou tão possessa de outros significados que usar o termo fala da antítese do que se desejaria expressar, conforme o Evangelho.
Jesus, entretanto, só falou em ‘igreja’ duas vezes; tendo, todavia, falado da fé como algo que se manifestava no discipulado, como indivíduo, e nos discípulos, como ajuntamento andante, dezenas de vezes.
Assim, a ênfase existêncial de Jesus no discípulo é algo que diz muito acerca do que é importante e saudável. Além disso, a descrição que Pedro faz de Jesus, em Atos, quando diz que Ele “andava fazendo o bem por toda parte”, mostra a total despreocupação de Jesus com qualquer outra coisa que não fosse, antes de tudo, fazer o bem em toda parte.
É por esta razão que não o vemos “montando” ou “articulando” uma “igreja” em lugar algum. Ao contrário, conquanto Ele fale em “edificar a sua Igreja”, ao mesmo tempo, Ele parece não fazer nenhum esforço semelhante aos nossos, no sentido de “edificar” uma “igreja” do mesmo modo como há muito se crê e se imagina que seja o “interesse de Deus”.
Jesus não plantou igreja em nenhum chão que não fosse o do coração das pessoas!
Não há Nele nenhuma manifestação de posse geográfica sobre qualquer novo ser que lhe cruze o caminho.
Sim, Ele cura, liberta, perdoa, acalenta, exorta, acolhe, etc…; porém, em momento algum Ele diz qualquer coisa ao novo “convertido” que seja do tipo: “Fique aqui ou você se perderá!”
Muito pelo contrário, o tempo todo o movimento que Ele propõe é outro. Quase nunca é um “fica”; mas quase sempre é um “vai”. E quem “fica”, fica apenas para ser ensinado a “ir”, enquanto vai…
E a ordem Dele é “indo façam discípulos…”; o que sugere movimento, andança, semeadura, cuidado, e multiplicação de novas consciências segundo o Evangelho; tudo, entretanto, acontecendo enquanto se vai…; ou seja: no caminho.
Pessoalmente eu creio que boa parte da doença da “igreja” vem desse “ficar”, o qual forma grupos e partidos, e estabelece um relacionamento clubesco e viciado; visto que a ordem foi invertida, pois os chamados para fora, ficarem presos confortavelmente do lado de dentro; e pior: crendo que somente do lado-geográfico-de-dentro é que residem todas as coisas de Deus.
Portanto, nesse caso, a “igreja” se vê como “despenseira” da graça de Deus não como quem dá, mas como quem “guarda” e se sente “dona” dos bens de Deus.
O que vai acontecer conosco? Sim, andando como quem busca andar como gento “do Caminho”. Sinceramente eu não sei como será, embora saiba o que seja. O que sei é que não tenho nenhum medo de andar conforme a minha consciência do Evangelho na presença de todos os homens.
Não me envergonho do Evangelho; e isto nada tem a ver com ser ou não “evangélico”.
No meu caso, a fim de poder dar testemunho para os “evangélicos”, tendo sido um deles por muitos anos, e entre todos, um dos mais ouvidos, aprouve a Deus me derrubar aos olhos deles, fazer-me provar os juízos, as afrontas, os desrespeitos, e tudo o mais que da maioria dos “líderes” evangélicos me veio; bem como, a indiferença que “desconhece” você quando sua presença se faz sentir, a qual me foi manifesta por muitos irmãos e dantes amigos — tudo isto para me libertar de tais muralhas; e, de fato, me dar a chance maravilhosa de pregar as insondáveis requizas de Cristo “fora dos portões” da Cidade Amuralhada na qual a “igreja” se tornou.
Assim, o que era trágico se me afigurou, posteriormente, um ato soberano e libertador de Deus; salvando-me de viver o resto da vida com aquele grito sufocado na alma; grito esse que, por mais que eu o expressasse, ainda assim me parecia insuficiente, posto que eu falava “de dentro”, como quem validava algo que minha própria alma abominava.
Estou dizendo tudo isto para concluir afirmando o seguinte:
No que me diz respeito jamais faria viagem tão dolorosa para buscar repetir justamente aquilo que minha alma sente e vê como perversão do Evangelho!
Assim, levados pelo vento e andando sem saber para onde estamos indo, mas apenas e suficientemente com Quem estamos aindo, prossigamos sem temor!
Nele, que é o Caminho, e o Senhor de todos “os do Caminho”,
Caio